A fotografia que apanhou o grito do assassino vence World Press Photo
O vencedor da 60.ª edição do World Press Photo é o fotógrafo Burhan Ozbilici da Associated Press, que registou a expressão do assassino do embaixador russo em Ancara.
De arma na mão, a gritar por Alepo e com o cadáver do embaixador russo prostrado a seu lado. É assim que surge Mevlüt Mert Altintas, o atirador de 22 anos que matou Andrei Karlov, na fotografia vencedora do World Press Photo deste ano. A imagem intitulada An Assassination in Turkey foi registada pela lente do fotojornalista turco Burhan Ozbilici, da Associated Press (AP), e recebe agora a distinção de fotografia do ano do World Press Photo (WPP), um concurso em que participaram mais de cinco mil fotógrafos de 125 países, que submeteram à apreciação dos júris mais de 80 mil imagens.
“Demorei alguns segundos a perceber o que tinha acontecido: um homem morreu à minha frente; uma vida desapareceu diante dos meus olhos”, escreveu Ozbilici no site da Associated Press (AP), no dia seguinte ao sucedido. “Tinha de fazer o meu trabalho”, afirmou o fotógrafo de 59 anos.
Foi a 19 de Dezembro de 2016. O momento captado por Ozbilici aconteceu na Galeria de Arte Contemporânea de Ancara, na Turquia, pouco depois do diplomata Andrei Karlov, que fazia um discurso de inauguração da exposição de fotógrafos russos, ter sido assassinado. O autor dos disparos era polícia, tinha 22 anos e fazia parte do dispositivo de segurança do embaixador.
O atacante estava vestido à civil e fez um discurso sobre a guerra na Síria, mencionando a situação dramática da cidade de Alepo. “Não se esqueçam da Síria! Não se esqueçam de Alepo!”, gritou Mevlüt Mert Altintas, depois de balear o embaixador russo pelas costas. “Só a morte me vai tirar daqui”, bradou. Altintas ainda feriu três outras pessoas até ser abatido a tiro pela polícia.
Burhan Ozbilici resolvera passar pela galeria à última da hora. Nunca tinha, aliás, fotografado uma inauguração na capital turca mas, com a então recente reaproximação entre a Rússia e a Turquia, achou que podia vir a ser útil registar o momento. Nunca pensou, claro, que o momento seria aquele, contou: “O acontecimento parecia rotineiro, a abertura de uma exposição de fotógrafos da Rússia. Por isso, quando um homem de fato escuro e gravata puxou de uma arma, eu fiquei aturdido e pensei que se tratasse de floreio teatral.” Seguiram-se os disparos, "pelo menos oito", e o pandemónio instalou-se. "Eu estava com medo e confuso, mas consegui cobrir-me parcialmente atrás de uma parede e fiz o meu trabalho: fazer fotografias."
A escolha da fotografia vencedora da 60.ª edição do World Press Photo foi feita por um júri constituído por fotógrafos de vários países. “Foi uma decisão muito difícil”, diz Mary F. Calvert, uma das juradas, citada no comunicado em que o WPP divulga os premiados. “É uma imagem explosiva que mostra verdadeiramente o ódio dos nossos tempos”, diz, referindo-se à fotografia do ano. O fotojornalista luso-sul-africano João Silva, que foi gravemente ferido no Afeganistão em 2010 durante uma reportagem para o Times, é outro dos membros do júri desta edição do World Press Photo. “Vejo o mundo a caminhar em direcção a um abismo. Este é um homem que claramente chegou a um ponto de ruptura”, afirma, reconhecendo em Mevlüt “o rosto do ódio”. Esta imagem, acrescenta João Silva, faz lembrar os conflitos que estão a acontecer na Europa, na América, na Síria e no Extremo e Médio Oriente.
O presidente do júri, entretanto, pronunciou-se publicamente contra a escolha desta imagem "de terror" como foto do ano. "Promove a ligação entre martírio e publicidade”, escreveu Stuart Franklin, num artigo de opinião no The Guardian. "É a fotografia de um homicídio, o assassino e a vítima, ambos na mesma imagem, e tão problemática de publicar como uma decapitação terrorista", descreve o fotógrafo, que considera merecido o prémio dado a Ozbilici na categoria de Spot News Stories (Notícias Locais), mas não como foto do ano.
Burhan Ozbili nasceu em Erzurum, na Turquia, e trabalhou com vários jornais do seu país até entrar para a AP, em 1989. Cobriu a guerra do Golfo na Árabia Saudita, em 1990, e tem acompanhado muitos acontecimentos importantes na Turquia, como a tentativa de golpe de estado de 2016. O vencedor recebe 10 mil euros e algum material disponibilizado pela Canon. As fotografias premiadas vão viajar por 45 países, onde serão expostas.
Na categoria de Temas Contemporâneos (Fotografia Única), o premiado foi Jonathan Bachman, da Reuters, que fotografou a activista Ieshia Evans nos protestos de Baton Rouge, nos Estados Unidos, a entregar-se pacificamente à polícia. Entre os outros escolhidos encontram-se um ensaio sobre o vírus Zika, feito pelo fotojornalista brasileiro Lalo de Almeida, da Folha de São Paulo; um outro sobre Cuba, executado no rescaldo da morte de Fidel Castro e da autoria de Thomas Munita, do diário The New York Times; assim como muitos outros trabalhos que retratam a guerra e as suas consequências, ataques, migrações e temas quotidianos. A galeria de fotografias premiadas pode ser consultada aqui.
Este ano, nas oito categorias existentes foram premiados 45 fotógrafos de 25 países (Portugal está de fora da lista de países vencedores). Em 2016, Mário Cruz, da agência Lusa, ficou em primeiro lugar na categoria de Temas Contemporâneos, com um ensaio feito no Senegal e na Guiné-Bissau sobre uma forma de escravatura contemporânea, a que atinge os talibés, os rapazes que vivem nas escolas corânicas e que são obrigados a mendigar pelas ruas.
A fotografia vencedora do World Press Photo of the Year do ano passado foi a de Warren Richardson, um fotógrafo australiano que registou o momento em que dois refugiados passavam um bebé pelo buraco de uma vedação de arame farpado, na fronteira entre a Sérvia e a Hungria.
Para distinguir as melhores narrativas jornalísticas digitais foi criado, em 2011, o World Press Photo Digital Storytelling. A sétima edição desta categoria destinada a trabalhos multimédia escolheu como vencedores de 2017 o trabalho The Dig, outro sobre a ginasta Simone Biles publicado no New York Times e uma reportagem focada na construção do muro na fronteira entre o México e os Estados Unidos, feita pelo The Washington Post. Entre os outros premiados estão também o projecto cinematográfico When the Spirit Moves, de Justin Maxon e Jared Moossy, e o vídeo Claressa. A galeria de trabalhos digitais premiados pode ser consultada neste link.