O Porto é o melhor destino europeu? O coração diz que sim, a cabeça pede calma

Falámos com seis figuras portuenses para saber como vêem a eleição do Porto como melhor destino europeu: Rui Reininho, Hazul, Ana Deus, Nuno Coelho, João Vieira e Nuno Brandão Costa. Partilham a felicidade pela distinção e o receio das consequências do turismo em grande escala.

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O Porto foi eleito o melhor destino europeu pela terceira vez Adriano Miranda

O Porto foi eleito como melhor destino europeu de 2017, arrecadando o título pela terceira vez. Merece? “O coração diz-me que sim, a cabeça diz-me ‘um bocadinho de calma’”, diz Rui Reininho, vocalista dos GNR, vendo com agrado a distinção mas alertando para a descaracterização da cidade que o turismo tem promovido. Não demasiado: “Está no ponto”, observa João Vieira, rosto dos X-Wife que também dá corpo ao alter-ego DJ Kitten. “É bom evoluir, é bom que a cidade cresça, mas também é bom que mantenha a identidade e que não seja uma caricatura de si própria.”

Num balanço preliminar do Turismo do Porto e Norte de Portugal relativo ao ano de 2016, a cidade tinha alcançado 6,8 milhões de dormidas, um valor muito próximo das metas estabelecidas para 2020. Também em Dezembro do ano passado, o aeroporto Francisco Sá Carneiro registou, pela primeira vez, nove milhões de passageiros no ano de 2016. Na primeira metade dos anos 1990, não recebia mais de dois milhões.

“Sinto que a cidade está muito apetecível para um público estrangeiro e também português”, avalia Nuno Coelho. No entanto, este designer gráfico e DJ que vive no Porto há mais de 20 anos receia as consequências. “Tenho medo que com esta atenção internacional a cidade deixe de ser para as pessoas que vivem nela e passe a ser para quem é de fora, o que já acontece ligeiramente em Lisboa”, afirma, defendendo que deve haver prevenção para que isso não aconteça.

Ana Deus tem um pedido: “Não tirem os portuenses daqui e não descaracterizem a cidade”. A voz dos Osso Vaidoso (ex-Ban e ex-Três Tristes Tigres) conta que “é por o Porto ser o que é, por ter os tascos que tem, por ter o tipo de traça arquitectónica que tem e as pessoas que tem que é considerado um bom destino turístico”. “Tem sido uma lufada de ar fresco para muitos comércios mas as ruas ficam todas iguais, as lojas todas iguais e os restaurantes todos do mesmo género”, acrescenta Ana Deus. Rui Reininho – que terminou neste sábado as comemorações dos 35 anos dos GNR na cidade que os viu nascer, no Coliseu do Porto – partilha da opinião e observa que desapareceram muitas tascas, restaurantes e sítios característicos da cidade. Algo que aconteceu em Lisboa, cidade na qual o cantor já viveu e onde encontra agora um certo “ar estrangeirado”, devido a um conjunto de coisas que em nada difere de outras cidades, que o tem mantido afastado da capital. O mesmo se passa na baixa do Porto. Ultimamente, diz, “é muito difícil encontrar coisas genuínas, é tudo muito incaracterístico.”

É pelas ruas do Porto em que os turistas se perdem que se podem encontrar várias obras de Hazul, artista urbano que mora no centro da cidade e diz sofrer as consequências de um turismo exagerado. “Por um lado, fico contente pela distinção; por outro, fico receoso em relação às consequências” – afirma – “vem cada vez mais gente e não consigo perceber a longo-prazo se isso é positivo ou não”. Para o artista portuense, a cidade merece este reconhecimento sobretudo pela riqueza dos seus pontos de interesse, do seu património e das pessoas que fazem a cidade.

Nuno Brandão Costa diz que o Porto é, de facto, uma cidade especial. No entanto, sente que, a nível turístico, só foi descoberto agora: “É evidente que a cidade melhorou muito do ponto de vista urbanístico, mas o Porto é a mesma cidade há muitos anos”.

Na luta por manter a sua essência, o Porto tenta ser o mesmo, espontâneo, directo. O que não o impede de avançar. É o que sente João Vieira, que nota uma grande diferença do Porto dos dias de hoje para o de há dez anos: tem mais gente a chegar, mais oferta cultural, gastronómica e turística, havendo uma forte “cultura institucional mas também uma cultura feita pelas próprias pessoas da cidade”. “Tudo isto é positivo se as coisas mudarem para melhor, é preciso haver um equilíbrio e não exagerar”, conclui o músico. “É bom reabilitar, mas não se pode ver as coisas só numa perspectiva de rendimento e de negócio: é preciso dar algo de volta à cidade”, acrescenta.

Para apelar ao voto foi criada a campanha “Vote Porto” que contou com o apoio de instituições como a Universidade do Porto, o FC Porto, a Casa da Música, o Metro do Porto e a Fundação de Serralves. Hazul considera que o envolvimento de certas instituições na promoção da competição não é “inocente”, tendo como ambição dar continuidade à “febre turística”; na sua opinião, isto acaba por afectar os naturais da cidade, sobretudo no que toca à habitação.

A competição é promovida pela European Consumers Choice – uma organização com sede em Bruxelas que faz a pré-selecção das cidades a concurso – e a votação é feita online. Houve várias figuras públicas que apelaram ao voto no Porto, como Sara Sampaio, Pedro Abrunhosa, Miguel Araújo, Rúben Neves ou Júlio Magalhães. A cidade angariou mais de 138 mil votos, o que correspondeu a 32% da totalidade de votos.

Uma oportunidade para melhorar

“Estamos de parabéns, devemos ver isto como uma coisa positiva e aproveitar para se promover a cidade e promover o trabalho que está a ser feito cá. O Porto também tem de potenciar isso: não só o espaço físico mas as pessoas que cá vivem.” É a visão de João Vieira.

O afastamento das pessoas locais para as zonas da periferia, provocado pelo aumento das rendas e pela falta de habitações a preços acessíveis nas zonas centrais é uma das consequências do turismo que mais preocupa.

“Torna-se cada vez mais difícil viver dentro da cidade por causa das rendas elevadas. É, para mim, um dos grandes medos da cidade: que as pessoas do Porto comecem a afastar-se. Porque são elas que fazem a cidade”, observa João Vieira. “Expulsar as pessoas da cidade para zonas limítrofes não é uma cidade que se quer. Tem de haver um equilíbrio: tem de existir coisas novas mas essa oferta não pode ser exclusiva para visitantes”, remata Nuno Coelho.

Para João Vieira, há muita coisa que poderia ser melhorada – o estacionamento, o trânsito e zonas que deveriam ser reabilitadas. Também Ana Deus diz que o estacionamento deveria ser melhorado, sobretudo porque os parquímetros e pilaretes estão a tornar a cidade “feia”. Espera que com esta distinção haja uma melhoria do trânsito no centro da cidade e das condições de transportes públicos. No geral, a cantora considera que o Porto é uma “cidade muito linda” e que merece o prémio, mas lembra que o custo de vida está a ficar demasiado caro para os salários de quem lá vive.

“No Porto vive-se muito mal, ainda. A vida das pessoas podia melhorar” – declara Rui Reininho – “há muito desemprego, muita miséria, muitos sem-abrigo e muita fome”. Vive em Leça da Palmeira e refere que não gostaria de ter hordas de turistas à porta, brincando ao dizer que os turistas de mapa na mão fazem lembrar uma caça aos pokémons para adultos. Diz que o Porto é a capital do rock ‘n roll, um “ponto que não tem sido muito explorado”.

“É sempre possível continuar a melhorar”, nota Nuno Brandão Costa, que venceu o concurso para o terminal intermodal da Campanhã. Para o arquitecto, deveria dar-se mais importância ao património interior dos edifícios, valorizando-o antes de correr o risco de o ver destruído. E é nesta senda que caminha os desejos de todos: que o Porto seja valorizado pela cidade que é, mas que isso não destrua a sua essência.

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