T2 Trainspotting: o que ficou depois de vermos passar os comboios

Fora de competição em Berlim, o regresso a Trainspotting 20 anos depois é uma pequena surpresa: nem mais do mesmo, nem outra coisa completamente diferente, é um filme sobre o que fica depois do tempo passar.

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Ewan McGregor e Jonny Lee Miller em T2 Trainspotting Sony Pictures Releasing GmbH
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Ewan McGregor e Robert Carlyle em T2 Trainspotting Sony Pictures Releasing GmbH
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Jonny Lee Miller, Ewan McGregor, Anjela Nedyalkova em T2 Trainspotting Sony Pictures Releasing GmbH
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Jonny Lee Miller e Ewan McGregor em T2 Trainspotting Sony Pictures Releasing GmbH

“Choose life”. Lembram-se? O monólogo de cinismo desesperado em corrida por Edimburgo ao som de Lust for Life de Iggy Pop que se tornou numa das mais indeléveis aberturas do cinema dos últimos 20 anos. Goste-se ou não do filme, de Danny Boyle, de Iggy Pop, de Irvine Welsh, isso agora não interessa nada, a propulsão cinética da abertura de Trainspotting é algo digno de ser visto, e Danny Boyle sabe-o, e nós sabemo-lo, e ele passa as duas horas de T2 Trainspotting a fazer-nos fosquinhas, em preliminares fogosos à espera do momento icónico, toca-e-foge aqui com uma queda de um carro, toca-e-foge ali com uma citação ou um momento ou um Born Slippy desacelerado, sempre com aquele sotaque de Edimburgo de cortar à faca que precisa de legendas sempre que Begbie abre a boca, e afinal há mesmo outro monólogo, tão cínico, tão desesperado, só que agora dito a meio do filme por Renton-20-anos-mais-velho num bar chique de Edimburgo a uma prostituta búlgara amancebada com Sick Boy-20-anos-mais-velho.

Choose life. Escolhe a vida. Escolhe o Facebook, o Twitter, o Instagram e fica à espera que alguém num sítio qualquer se interesse, escolhe ir à procura das namoradas antigas e desejar que tivesses feito tudo de maneira diferente e escolhe ver a história a repetir-se. Escolhe um iPhone feito na China por uma operária que saltou do telhado. Escolhe um contrato de zero horas e duas horas de viagem para o trabalho e escolhe o mesmo para os teus filhos, só pior, e apaga tudo com uma dose desconhecida de uma droga desconhecida improvisada numa cozinha qualquer. Escolhe a desilusão.” Ou, como diz Sick Boy-20-anos-mais-velho a Renton-20-anos-mais-velho, “escolhe ser um turista na tua própria juventude”, ou como a prostituta búlgara que se chama Veronika diz a Renton-20-anos-mais-velho e a Sick Boy-20-anos-mais-velho “de onde eu venho, o passado é uma coisa que se quer esquecer, mas vocês só querem viver no passado”.

E T2 Trainspotting, que estreia em Portugal a 23 de Fevereiro, sabe disso e finge que dá mais do mesmo, mas não dá, porque o passado foi lá atrás, já não volta, e Renton-20-anos-mais-velho sabe que não volta e sente que perdeu a vida a correr atrás de algo que o deixou para trás, como os comboios que passavam pela estação de Leith mas que já não passam porque a estação de Leith já não existe e o pub da família de Sick Boy-20-anos-mais-velho apenas existe por teimosia.

E Danny Boyle e o argumentista John Hodge podem ter ido buscar inspiração a Porno, a sequela-dez-anos-depois que Irvine Welsh escreveu, e foram buscar os mesmos actores 20 anos mais velhos (Ewan McGregor, Ewen Bremner, Jonny Lee Miller e um Robert Carlyle que rouba o filme sempre que entra), e escolheram, mais do que a vida, fazer um filme sobre a vida, sobre o tempo, sobre os comboios que se ficaram a ver passar.

E como estavam fartinhos de saber que nunca se deve voltar ao lugar onde foram felizes, não voltaram a fazer Trainspotting, fizeram um ensaio sobre o que fica quando olhamos para trás. E não é sempre bom, não acerta sempre, e Danny Boyle e o director de fotografia Anthony Dod Mantle voltam a ir buscar os ângulos esquinados, as cores puxadas, os efeitos a torto e a direito, e o que há 20 anos era fixe e moderno e britpop e cool Britannia hoje é nostálgico-trash-amargo, mas nem há 20 anos Trainspotting era só uma trip nem hoje T2 é só velhinhos modernos a brincar ao Viagra.

Há 20 anos Trainspotting era um filme de um certo zeitgeist (social, estético, artístico), hoje T2 é um filme sobre o que sobra depois do zeitgeist, suficientemente inteligente para redimir muito do que Danny Boyle fez de pior nos últimos anos (com Quem Quer Ser Milionário à cabeça) sem chegar ao nível do que ele fez de melhor (como Steve Jobs ou Sunshine). Onde Trainspotting começava com Lust for Life, T2 acaba com Lust for Life (convenientemente remisturado nestes tempos em que tudo é reciclagem, até um filme que o assume abertamente). “What the f*** is this?” diz Renton-20-anos-mais-velho a certa altura. Nem mais do mesmo, nem algo de completamente diferente; T2 é outra coisa, para os anos que vivemos.

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