Trânsito, biologia molecular e malária, eis as Medalhas L’Oréal deste ano
As investigadoras Ana Rita Marques, Isabel Veiga, Maria Inês Almeida e Patrícia Baptista são vencedoras do prémio.
Qual é o papel de algumas proteínas na resistência ao principal fármaco que trata a malária? Há uma parte do nosso ADN que achávamos que era lixo e que pode servir para regenerar os ossos? O que leva os centríolos das fêmeas “despirem” o seu escudo protector para permitir a fertilização de um óvulo? É possível saber qual a melhor rota em diferentes meios de transporte para pessoas com diferentes necessidades? Quatro investigadoras distinguidas com as Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência de 2017, que recebem esta terça-feira o prémio, vão tentar responder a estas questões.
Mais de 80 investigadoras candidataram-se ao prémio de 15 mil euros, atribuído pela L’Oréal Portugal, pela Comissão Nacional da UNESCO e a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que quer ser um incentivo para mulheres, até aos 35 anos, que fazem ciência em Portugal. Os prémios foram atribuídos a quatro investigadoras de diferentes institutos que trabalham em áreas que vão desde ferramentas de cálculo de rotas mais eficientes na cidade de Lisboa à biologia molecular que tenta desvendar o papel de proteínas no nosso organismo, passando pela exploração de uma (grande) parte do ADN que se julgava ser lixo.
Ana Rita Marques, do Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras, persegue umas estruturas minúsculas que fazem parte das células, chamadas “centríolos”, há vários anos. Recentemente, percebeu que quando um ovócito é fertilizado os centríolos da fêmea são eliminados e compensados com os que vêm no espermatozóide. Numa experiência com moscas da fruta, “forçou” a presença dos centríolos da fêmea e conclui que o “excesso” destas estruturas das células provocava problemas graves. Surgia a infertilidade. Percebeu também que a eliminação dos centríolos acontece quando eles perdem um revestimento que parece servir de escudo protector.
Mas ainda não chega. “Falta agora perceber quais são os factores responsáveis pela presença (ou retirada) do tal escudo protector, saber como é que este revestimento protege o centríolo”, explica ao PÚBLICO. É para encontrar algumas das possíveis respostas a essas e outras questões ainda em aberto que vai usar o prémio que lhe é atribuído esta terça-feira. “É um incentivo importante, uma boa motivação”, diz a cientista, que espera que este conhecimento seja útil não só no campo da fertilidade, como já se demonstrou que pode ser, mas noutros.
Sabermos mais sobre os centríolos e a forma como se ligam ou desligam e em que momentos estão ou não estão presentes nas células pode ajudar, por exemplo, em áreas como a regeneração de tecidos ou mesmo no cancro. As pistas a seguir são o facto de as células perderem os centríolos quando se diferenciam em músculo ou encontrarmos um elevado número de centríolos nas células de cancros agressivos e com grande capacidade de invasão.
Isabel Veiga, do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde da Universidade do Minho, também estuda estruturas minúsculas mas, desta vez, trata-se de mutações genéticas do parasita da malária. Quer perceber como é que o Plasmodium falciparum (transmitido às pessoas pela picada de mosquitos anófeles infectados) se está a tornar cada vez mais resistente à principal terapêutica (à base de artemisinina) existente hoje para combater a doença.
Para isso, vai investigar especificamente o papel de proteínas que estão envolvidas no transporte da artemisinina e assim tentar perceber qual é o mecanismo de resistência a nível molecular. Como? “Vou usar parasitas geneticamente modificados que não só podem ser úteis para perceber como funcionam estas proteínas transportadoras como também poderão servir para testar novos fármacos e prever a eficácia dos novos tratamentos em desenvolvimento”, diz a investigadora.
Outra das premiadas está no Porto. Maria Inês Almeida, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S), quis dedicar-se a um parte do nosso ADN que poderá ter um papel importante para acelerar a regeneração óssea após uma fractura. Primeiro, é preciso esclarecer que quando se percebeu que apenas 2% do nosso ADN era capaz de codificar proteínas pensou-se que o resto (nada menos do que 98%) era lixo. Errado.
Hoje sabe-se que algum deste ADN origina moléculas que podem ter importantes funções nas células. Chamam-lhe “ARN-não codificante” e Maria Inês Almeida quer saber mais sobre o que é capaz de fazer. “O ARN-não codificante é uma classe muita vasta. Eu estudo o micro-ARN e outra classe chamada ‘regiões ultra-conservadas do genoma’, ou ‘ARN-longos’”, refere, acrescentando que os níveis do micro-ARN regulam vários mecanismos das células. Maria Inês Almeida vai explorar três destes mecanismos: a proliferação, a diferenciação celular (neste caso, em células do osso) e a modulação da resposta inflamatória.
Por fim, os Prémios L’Oréal estacionam, de novo, em Lisboa. Patrícia Baptista, do Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento do Instituto Superior Técnico, vai tentar encontrar os trajectos mais curtos, económicos e seguros e menos poluentes e nocivos para a saúde, para vários tipos de utilizadores (com maiores ou menores dificuldades de locomoção).
Pretende usar os 15 mil euros para aumentar as suas bases de dados em todas as variáveis que quer explorar. O objectivo, explica, é integrar esta ferramenta de avaliação de rotas numa plataforma que esteja acessível a qualquer pessoa, seja uma app ou um programa que trabalhe com o Google Maps. O projecto ainda está numa fase de recolha e análise de dados. “No contexto científico em Portugal, com oportunidades limitadas, este prémio é uma valorização do esforço que fazemos ao longo dos últimos anos”, nota Patrícia Baptista. E, sobre este prémio atribuído exclusivamente a mulheres, considera que “pelo menos no caso da engenharia mecânica, onde há poucas mulheres, faz sentido”.