A prioridade de Marine Le Pen é "dar a palavra ao povo"
A candidata da extrema-direita lança oficialmente a sua campanha à presidência de França. Se ganhar, promete, lançará “imediatamente” com Bruxelas o processo de “negociação para o regresso de quatro soberanias: monetária, legislativa, orçamental e territorial”.
Referendar muito e o mais cedo possível, sobre a saída de França do euro e também da União Europeia, e com o objectivo de mudar a Constituição francesa para nela inscrever os princípios da “prioridade nacional”, a versão da política da “América primeiro” de Donald Trump. Estas são as primeiras medidas prometidas por Marine Le Pen se for eleita Presidente da República, no programa eleitoral que vai apresentar neste sábado em Lyon.
A líder da Frente Nacional (FN), um partido nacionalista e de extrema-direita, disse em entrevista ao Le Monde esta semana querer “dar a palavra ao povo e criar a democracia de proximidade”. Para isso, quer alargar o domínio de intervenção dos referendos, reduzir o número de deputados e senadores, introduzir a proporcionalidade integral na Assembleia, com um "prémio de governabilidade" de 30% para o partido que tiver a maioria – uma medida que deveria beneficiar o seu partido – em vez do actual sistema de eleição em duas voltas.
Além disso, ter uma Le Pen no Eliseu significaria iniciar “imediatamente” com Bruxelas o processo de “negociação para o regresso de quatro soberanias a França: monetária, legislativa, orçamental e territorial”. Que é como quem diz, iniciar o “Frexit”, a saída de França da União Europeia, seguindo os passos do Reino Unido. “Seis meses após a minha eleição, organizarei um referendo sobre a saída da UE. Se obtiver ganhos na negociação, vou sugerir aos franceses que fiquemos na UE. Se não, aconselhá-los-ei a sair”, disse ao Monde.
As sondagens dão consistentemente a vitória de Le Pen na primeira volta das presidenciais, a 23 de Abril, sempre com cerca de 25% dos votos – a única constante que se tem mantido numas eleições que estão a ser um turbilhão de imprevistos. No entanto, na passagem à segunda volta, perde, seja com François Fillon – o candidato da direita, que parece estar a ser liquidado pelo escândalo em torno do emprego fictício da mulher como sua assistente parlamentar – seja com Emmanuel Macron, o ex-ministro da Economia do Governo socialista, que concorre como independente (“nem de esquerda nem de direita”).
Num estudo da empresa IFOP, de sexta-feira, Le Pen ganha a primeira volta com 25% dos votos, seguida de Macron com 20,5%. Fillon fica-se apenas por 18,5%. Na segunda volta, Macron consegue 63%, e ela apenas 37%.
Eleitores fiéis
Marine Le Pen tem um eleitorado fiel: entre os que votaram nela para a presidência em 2012, 82% continuam dispostos a votar nela hoje, concluiu um estudo feito pelo Centro de Investigação Política do Instituto Superior Sciences Po. Bem ao contrário do que aconteceu com os que votaram em François Hollande. Desde Dezembro, a líder frentista perdeu apenas 2% dos seus eleitores para Fillon, e 3% para Macron, e ganhou, em compensação, 5% do primeiro e 3% do segundo, explica Pascal Perrineau, professor da Sciences Po, num artigo no Monde sobre este inquérito. O balanço é positivo para a candidata da extrema-direita.
Se nas eleições presidenciais de 2012 os eleitores mais pobres, com uma situação de emprego mais precária, deram o seu voto a François Hollande, conclui outro estudo, de Florent Gougou e Vincent Tiberj, que o publicam em livro em Março, a partir dessa votação houve uma transferência maciça desses votos para a FN.
Hoje, 41% dos operários, 33% dos assalariados, 34% dos desempregados, 39% dos que não têm qualquer diploma, 33% das pessoas que vivem em habitação social e 44% dos que afirmam “ter uma vida difícil com os rendimentos familiares” apoiam Marine Le Pen, dizem os autores do livro La Déconnexion électorale, que será editado pela Fundação Jean-Jaurès.
Desiludidos com a política económica virada à direita de Hollande, estes eleitores seguiram o discurso proteccionista de Marine Le Pen. Ao mesmo tempo que prega contra os imigrantes muçulmanos, Le Pen diz que eles roubam os empregos. O discurso contra a “mundialização”, as fábricas que saem de França, levando os empregos, é também uma forma de criar desconfiança em relação aos estrangeiros. O inimigo pode ser tanto a União Europeia como os muçulmanos, os imigrantes, os terroristas contra os quais é preciso cerrar fronteiras.
Do seu programa económico constam ideias como aquilo que Le Pen classifica de “proteccionismo inteligente”, ou seja, quer introduzir uma “contribuição social”, que não será mais do que uma taxa de 3% sobre os bens e serviços importados, com os quais espera arrecadar no mínimo 15 mil milhões de euros. Esta soma servirá para financiar um subsídio de 80 euros para aumentar o poder de compra, que será atribuído “a todos os que ganharem salários baixos e reformas de menos de 1500 euros líquidos”, disse ao Monde.
Mas se François Fillon está em risco de se ver afastado devido ao caso do emprego fictício – não será o primeiro a ver-se em apuros na justiça francesa por causa disso, o problema é recorrente –, Marine Le Pen está a ser visada por uma investigação da entidade anti-corrupção da UE exactamente pelo mesmo problema. Tudo indica que a sua assistente no Parlamento Eurpeu não vive em Bruxelas, como deveria, e sim em Paris, trabalhando a partir da sede da FN em Nanterre. No entanto, terá recebido cerca de 300 mil euros em ajudas de custo como se vivesse na capital belga.