Para os criadores de South Park, a realidade da era Trump é “uma comédia em si”
Trey Parker e Matt Stone reconheceram, em conversa com o canal ABC News, a dificuldade de se fazer sátira no novo contexto político norte-americano.
South Park é uma das mais populares séries de animação das últimas décadas, uma popularidade que se deve à acutilante crítica política e social que a caracteriza. De Saddam Hussein a Tom Cruise, passando por Paris Hilton e Michael Jackson, é difícil encontrar um nome da actualidade e da cultura popular que não tenha sido satirizado na série – nem figuras religiosas como Jesus Cristo e Maomé foram poupadas. E, claro, também Donald Trump foi visado nas últimas duas temporadas através da personagem de Mr. Garrison, o professor modelado exactamente à sua medida, quer no auto-bronzeador, quer na visão anti-imigrantes. Agora, os criadores de South Park, Trey Parker e Matt Stone, decidiram recuar na sátira à política norte-americana, uma vez que após a eleição de Trump se sentem incapazes de acompanhar a realidade. ”O que estava a acontecer tinha muito mais piada do que o que nós podíamos inventar”, disse Parker ao canal australiano ABC News, aludindo aos últimos episódios da vigésima temporada, que terminou em Dezembro do ano passado.
Questionado se esta seria a “era de ouro da sátira”, Matt Stone respondeu que “[Trump] está a tentar, mas isso torna tudo mais difícil”, no sentido em que a sua administração é “uma comédia em si”. Stone contou no programa que há quem pense que os acontecimentos e as medidas das duas últimas semanas – como a restrição à entrada de cidadãos de países maioritariamente muçulmanos – seriam material precioso para os criadores, à atenção dos episódios seguintes. “As pessoas dizem-nos a toda a hora: ‘Vocês devem estar a reunir imenso material’, como se estivéssemos felizes com o que tem acontecido”, notou o também produtor da série, acrescentando que “não é bem esse o caso”.
Tendo já tocado assuntos como o islamismo, a cientologia e a guerra no Iraque, Parker e Stone são adeptos da controvérsia que faça o público pensar, mas desta vez querem demarcar-se da realidade e dos seus protagonistas. Para isso, propõem-se deixar de falar sobre o governo norte-americano. “Decidimos recuar e deixá-los fazerem a comédia deles enquanto nós fazemos a nossa”, assinala Trey Parker.
A série, que está no ar desde 1997, conta as peripécias de uma cidade localizada no Colorado e é protagonizada por um grupo de crianças, através das quais são feitas as mais duras e politicamente incorrectas críticas sociais e políticas. South Park acompanha habitualmente as eleições e, em Novembro passado, os criadores foram forçados a alterar o episódio que iria ser transmitido na noite seguinte para reescrever a vitória de Trump sobre Hillary Clinton. O primeiro episódio da vigésima temporada foi a estreia mais vista desde o início da série, coincidindo com os últimos meses da campanha presidencial.