As aulas de Pedro Pereira “podem ser perigosas”
Alguns dos alunos da Academia Sénior do Politécnico de Viana repetem a inscrição há sete anos.
A aula era de Antropologia, mas o professor Pedro Pereira já tinha feito um desvio de tema para a Filosofia face às questões dos alunos. Enquanto explicava o conceito de Razão Prática para Kant, um estudante na primeira fila volta a interrompê-lo: “Isso é um pensamento perigoso”. “Vir a estas aulas pode ser perigoso”, responde o docente. Fê-lo com um sorriso no rosto, mas na base da réplica está a sua experiência acerca do desafio que é dar aulas de Antropologia a pessoas com mais de 50 anos.
“Estou a levá-los a pensar sobre aquilo que não tinham ainda pensado”, explica o professor do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC), que dá aulas na Academia Sénior que aquela instituição de ensino superior criou há sete anos. O que é especialmente complexo é fazê-lo numa turma onde há pessoas com formações anteriores diversas e experiências de vida consolidadas. "Esta situação exige uma elevada agilidade pedagógica para conseguir que os assuntos possam ser compreendidos quer por aqueles que têm como formação académica o 4º ano , quer por que aqueles, e são num número considerável, que tem formação universitária em diversas áreas”, sublinha.
Ocupar o tempo livre
Antes das primeiras palavras de Pedro Pereira, a folha de presença passa de mão em mão e vai juntando assinaturas. Não falta ninguém: todos os 31 alunos inscritos na disciplina de Antropologia estão presentes. Esta é a primeira aula do ano, já que a Academia Sénior do IPVC organiza-se por ano civil, ao contrário da oferta regular do instituto. Para Maria Cristina Lima era uma estreia. Trabalhou na Portugal Telecom e está aposentada há 20 anos. Em Setembro, o seu marido morreu e sentiu necessidade de ocupar o tempo livre. Decidiu inscrever-se. Cada aluno pode escolher três disciplinas da oferta disponibilizada e, a conselho de uma amiga, escolheu Antropologia. O primeiro impacto deixou-a entusiasmada: “Vim ver o que era e agradou-me imenso. Deixa-me a pensar”.
Se, na linguagem universitária Maria Cristina Lima é “caloira”, Maria Arminda Martinez pode ser considerada “veterana”. Foi uma das 15 pessoas que se inscreveram no primeiro ano da Academia Sénior, em 2010/11 e acabou por renovar sucessivamente a inscrição. “Estabeleci um princípio que é: vou experimentar tudo e mesmo que não goste vou até ao fim”, conta. “Há disciplinas de que gosto mais e outras de que gosto menos”, mas nada a faz desistir. Até porque, recorrendo à experiência como médica, a profissão que tinha antes de se aposentar, afiança que estar na Academia Sénior “tem feito bem à saúde, principalmente em termos mentais”.
A Academia do IPVC tem esta particularidade: os alunos mais antigos mantêm a sua ligação à formação. O crescimento do número de inscrições no último ano lectivo fez elevar o total de inscritos a 70 alunos. Pagando 100 euros anuais, estes alunos têm 12 horas de aulas por semana, entre as teóricas, como Antropologia, Literatura ou Economia, outras ligadas à saúde na terceira idade e também trabalhos manuais como a cerâmica. Além disso, passam a integrar uma comunidade que, informalmente, organiza ainda passeios gastronómicos e uma viagem anual fora de Portugal.
Os professores, tal como Pedro Pereira, pertencem aos quadros do IPVC. O docente de Antropologia também dá aulas nos cursos de Enfermagem e Turismo do instituto. O que é diferente com o público sénior? “Há uma disponibilidade absoluta das pessoas para aqui estarem e são muito participativos”, responde. Naquela aula, de introdução à disciplina, tinha previsto falar sobre os fundamentos da Antropologia, mas perante as questões dos alunos acabou a citar Hegel ou Weber, mas também Camus e Llorca. “É sempre assim, obrigam-me a desviar do caminho”.