Tensão entre Trump e Austrália após "o pior telefonema" do dia
O Presidente norte-americano vai analisar um compromisso que considera "estúpido", assinado por Obama para receber refugiados da Austrália.
Deveria durar uma hora, mas ao fim de 25 minutos a conversa entre o Presidente dos EUA, Donald Trump, e o primeiro-ministro australiano, Malcolm Turnbull, terminou. No que foi, para Trump, “de longe, o pior telefonema" do dia, os dois governantes discutiram sobre o acordo entre os EUA e a Austrália para relocalizar refugiados, perturbando as relações diplomáticas dos Estados Unidos com um dos seus parceiros mais estáveis.
Sem grandes surpresas, o balanço da conversa entre os dois líderes foi anunciado através do Twitter de Trump. Referindo-se, de forma errada, aos refugiados como “imigrantes ilegais” o Presidente norte-americano diz que irá estudar e rever o documento. Durante o telefonema, Trump, que se fez acompanhar por Stephen Bannon, conselheiro-chefe, terá dito ao primeiro-ministro australiano que era o pior telefonema que naquele dia tinha tido com um dirigente internacional – e já tinha falado com quatro, incluindo o Presidente russo, Vladimir Putin, relata o Washington Post. O telefonema foi feito durante o fim-de-semana.
"Acreditam nisto? A Administração Obama concordou receber milhares de imigrantes ilegais da Austrália. Porquê? Vou analisar este acordo estúpido [tradução livre de "dumb deal"]”, escreveu Trump no Twitter.
Se Trump não tem problemas em que seja conhecida a sua opinião em relação às conversas que tem com os seus homólogos, já Turnbull remeteu-se ao silêncio. “Estas conversas são conduzidas de uma forma honesta, franca e privada”, disse o governante australiano, esclarecendo que mesmo que sejam conhecidos pormenores não lhes iria acrescentar nada, disse esta quinta-feira, numa conferência, citada pela Reuters.
“[Trump] Diz que este não é um acordo que teria feito, mas a questão é: irá ele honrar o compromisso?”, questionou o primeiro-ministro australiano.
Analistas políticos citados pela Reuters consideram que esta é uma situação sem precedentes na história da relação entre os dois países, mesmo quando Gough Whitlam, à data primeiro-ministro australiano, retirou as tropas australianas da Guerra do Vietname, durante a Administração Nixon.
De acordo com fontes do Washington Post, Trump rejeita o compromisso assinado por Obama, que concordou receber 1250 refugiados (a maioria do Sri Lanka, Paquistão, Bangladesh, Somália, Irão e Iraque que fogem de zonas de conflito) actualmente em centros de detenção australianos, nas ilhas de Nauru e Manus, cujas condições desumanas já foram denunciadas pelas Nações Unidas. Em troca, a Austrália receberia refugiados de El Salvador, Guatemala e Honduras.
Algumas das nacionalidades são as mesmas afectadas pelo decreto presidencial aprovado por Trump, que suspende durante 90 dias a concessão de vistos a qualquer cidadão do Iraque, Síria, Irão, Sudão, Líbia, Somália e Iémen. Mas esta não é uma decisão que afecte o acordo internacional, uma vez que, escreve o mesmo jornal norte-americano, o decreto presidencial incluía uma cláusula que excluía “acordos internacionais pré-existentes”, o que protegia especificamente o acordo com a Austrália.
As informações que chegam da Casa Branca atropelam-se. Uma hora e 40 minutos antes de Trump tweetar, um porta-voz da embaixada dos Estados Unidos na capital australiana garantia que “a decisão de honrar o acordo não mudou”, cita o Guardian. Mais, acrescentava que o acordo tinha sido reconfirmado pela Casa Branca ao Departamento de Estado e à embaixada norte-americana em Camberra.
Horas antes, o Presidente norte-americano tinha insistido nas suas políticas de gestão da fronteira, entrando na discussão em redor da palavra “exclusão”, uma vez que a equipa da Casa Branca não quer que as pessoas usem a palavra “exclusão” para qualificar as medidas aprovadas por Trump.
Ainda no início desta semana, na segunda-feira, o ministro das Finanças australiano, Scott Morrison, hesitou em criticar as políticas de Trump que levaram à multiplicação de protestos por todo o país e a uma onda de críticas internacionais. Morrison defendeu a estratégia de Trump e acrescentou ainda que “a Austrália é invejada pela sua política de forte protecção das fronteiras”. “O resto do mundo ia adorar ter as nossas fronteiras e a forma como elas estão protegidas e os acordos de imigração que assinámos, especialmente durante os últimos três ou quatro anos”, continuou.
Notícia corrigida às 13h55. Título alterado para "pior telefonema" do dia e não de sempre. Segundo o Washington Post, Trump ter-se-á referido apenas aos telefonemas efectuados no dia em que estava a conversar com o primeiro-ministro australiano.