Consórcio de 75 cientistas tem 2,5 milhões de euros para desmascarar células estaminais do cancro
Durante três anos, cientistas de três institutos em Portugal vão procurar novas estratégias de ataque às células estaminais do cancro. Projecto Cancel Stem é financiado pelo programa Portugal 2020.
É um verdadeiro exército de conhecimento nas mais variadas áreas que se prepara para um ataque ao cancro. Os alvos são as células estaminais do cancro e o exército é formado por 75 investigadores do Porto, de Lisboa e Coimbra que, durante os próximos três anos, vão trabalhar juntos. Querem saber mais sobre estas células que existem em pequeno número nos tumores, mas que terão um papel decisivo na capacidade de um cancro formar metástases, reincidir e resistir a alguns fármacos. O consórcio chama-se Cancel Stem – Estaminalidade das Células do Cancro e envolve um investimento de 2,5 milhões de euros, financiados pelo programa Portugal 2020.
Nem todas as células estaminais são boas e sinónimo de regeneração. Além das células estaminais que contribuem para o nosso desenvolvimento embrionário, há ainda os pequenos reservatórios que mantemos no nosso organismo em idade adulta e que são chamados a actuar na regeneração de tecidos. Mas há também células estaminais do cancro. Representam uma percentagem baixa, que pode ir até aos 10 ou 20%, das células que existem num tumor mas, ainda assim, parecem desempenhar um papel importante nalguns dos aspectos mais críticos da doença: metastização, recidivas e resistência a fármacos.
“Estas células, devido às suas características muito semelhantes a células estaminais normais, têm algumas capacidades importantes como a capacidade de serem elas a induzir um tumor, de metastizar e, mais importante ainda, de serem capazes de resistir às terapias”, explicou ao PÚBLICO Joana Paredes, investigadora no I3S (Instituto de Investigação e Invocação em Saúde, ou I3S, no Porto) e coordenadora do Cancel Stem. “São células capazes de ser imortais e de resistir a tudo.”
No entanto, ainda se sabe muito pouco sobre estas células. O projecto que junta os esforços de três institutos em Portugal – o I3S, o Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras, e o Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC), em Coimbra – quer ajudar a mudar isso. Este consórcio tem nove projectos de investigação e 18 equipas a trabalhar nos próximos três anos em várias frentes. Como é que estas células aparecem? Como é que se mantêm vivas? Como é que invadem outros tecidos no corpo? Como comunicam? Como as podemos destruir? Estas são apenas algumas das questões que vão desafiar os investigadores.
“Acho que nestes três anos vamos conseguir aumentar o conhecimento nesta área. Queremos publicações, patentes e talvez produtos. Sabemos que estas coisas levam tempo. Mas termos algum dinheiro e recursos humanos para trabalhar é um bom ponto de partida”, diz a coordenadora do Cancel Stem.
Da comunicação às nanopartículas
Joana Paredes, por exemplo, vai trabalhar em quatro projectos diferentes. “Tenho várias perguntas. Uma delas está relacionada com a metastização cerebral nos casos de cancro da mama. Com a investigação que já fizemos, percebemos que estas metástases são muito enriquecidas em marcadores de células estaminais, contrariamente ao tumor primário de onde vieram.”
A cientista Mónica Bettencourt Dias, do IGC, vai juntar o que sabe sobre o papel de algumas estruturas das células (centrossomas e cílios) ao que uma outra equipa do I3S, liderada por Sérgia Velho, sabe sobre o ambiente celular no cancro. “Queremos saber se estas estruturas que normalmente comunicam através de uma troca de sinais e de diferentes formas de contacto usam o mesmo tipo de comunicação num tumor e se isso contribui para o seu desenvolvimento”, resume ao PÚBLICO. Expectativas? “Se estas duas comunicações estiverem relacionadas, é muito interessante e teremos conhecimento para desenvolver e, eventualmente, utilizá-lo para evitar o desenvolvimento dessas características das células.”
João Nuno Moreira, do CNC, integra uma das equipas responsáveis por um ataque mais direccionado às células estaminais do cancro. “O desafio que temos é avaliar o impacto de uma determinada nanopartícula (que contém uma combinação de fármacos) na sobrevivência das células estaminais do cancro”, explica. Para já, as experiências serão feitas com linhas celulares de cancro da mama, mas o investigador admite que o produto possa ser usado noutros tumores.
Apesar de defender que a união de forças conseguida com este consórcio é “absolutamente fundamental” no combate ao cancro, João Nuno Moreira prefere não colocar a fasquia sobre os resultados demasiada alta: “Com os tumores não é possível falar de soluções. Um tumor é uma entidade demasiado inteligente para acharmos que vamos encontrar uma solução. Mas estou confiante de que vai sair daqui conhecimento relevante para poder ser levado para a prática.”