Irão promete retaliar contra "restrição insultuosa" dos Estados Unidos

Advogados e organizações cívicas norte-americanas organizam-se na contestação judicial ao decreto presidencial que impede muçulmanos de entrarem nos EUA. Companhias aéreas estão a recusar embarques de cidadãos dos países afectados pela ordem de Donald Trump.

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Passageiros no aeroporto de La Guardia, um dos que servem Nova Iorque Reuters/BRENDAN MCDERMID

O Irão informou que vai tomar "todas as medidas legais, consulares e políticas apropriadas" para retaliar contra a decisão do Presidente dos Estados Unidos de proibir a entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana, entre os quais os nacionais da república islâmica – muitos dos quais se viram impedidos de embarcar em voos com transbordo ou destino final em território norte-americano, este sábado.

Num comunicado citado pela agência semi-oficial Tasnim, o regime iraniano classifica a medida anunciada por Washington na sexta-feira à noite como "um insulto explícito ao mundo muçulmano e particularmente ao grande povo iraniano" e estima que "em vez de combater o terrorismo e proteger o povo americano, a decisão entrará para a história como uma dádiva para os extremistas e os seus apoiantes".

Segundo se lê na declaração, vinda do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Teerão vai responder a todas as medidas do Governo de Washington que atinjam os direitos dos cidadãos iranianos. "Respeitamos o povo americano, que distinguimos dos seus governantes. Mas enquanto estas restrições insultuosas não forem levantadas, vamos reciprocar", diz o documento. O Governo não esclarece se a sua intenção é barrar a entrada de norte-americanos no seu território: não há, por enquanto, indicações de que esteja a fazê-lo.

O Parlamento iraquiano também poderá tomar medidas. Este sábado, vários legisladores menifestaram intenção de debater o assunto no plenário, avançou a Reuters.

As autoridades americanas não perderam tempo para executar o decreto administrativo de Donald Trump que impede a entrada nos EUA de todos os refugiados muçulmanos, bem como de todos os cidadãos oriundos de sete países maioritariamente muçulmanos. Nas últimas horas, diferentes jornais e agências noticiosas deram conta de problemas em aeroportos norte-americanos, onde foram recusadas as entradas de cidadãos iraquianos, bem como no Egipto, onde alguns iraquianos em trânsito para os EUA foram afastados do seu voo e recambiados para casa.

Cinco passageiros iraquianos e um iemenita foram impedidos de embarcar, neste sábado, no Cairo, num voo que tinha como destino Nova Iorque. Apesar de terem vistos de entrada nos EUA dentro da validade, os seis cidadãos muçulmanos foram barrados no aeroporto da capital egípcia, em resultado do decreto presidencial, assinado na sexta-feira à noite, pelo Presidente Donald Trump, que proíbe, durante 90 dias, a entrada nos EUA de cidadãos oriundos de sete países (Iraque, Síria, Irão, Sudão, Líbia, Somália e Iémen). Além disso, o diploma suspende, durante 120 dias, todas as entradas de refugiados nos EUA.

Durante a campanha eleitoral, a promessa do agora Presidente de proibir a entrada de muçulmanos nos Estados Unidos foi imediatamente contestada até pelos membros do Partido Republicano. Mike Pence, o governador do estado do Indiana que foi eleito vice-presidente, chegou mesmo a repudiar a proposta como "ofensiva e inconstitucional".

Também o speaker do Congresso, Paul Ryan, manifestou a sua total oposição a "qualquer tipo de teste religioso para as entradas no país". No entanto, na sexta-feira, o congressista republicano elogiou a ordem presidencial, considerando que "o Presidente Trump está certo em certificar-se que está a ser feito tudo o que é possível para se saber exectamente quem são as pessoas que estão a entrar nos EUA. Já era mais do que tempo de reavaliar e fortalecer o nosso processo de emissão de vistos", considerou.

Companhias aéras como a Qatar Airways já publicaram avisos que dão conta das restrições à entrada de cidadãos destes países nos EUA, salvo se tiverem um visto de representação diplomática. Como explicaram fontes da Administração, a proibição vigora mesmo para os cidadãos dos sete países que têm autorização de residência nos Estados Unidos (o chamado green card). Também a Air Canada ou a KLM confirmaram que não estão a embarcar passageiros com passaportes dos países banidos para os EUA.

O primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, fez questão de vincar a diferença do seu país, que segundo escreveu no Twitter mantém as portas abertas a "todos os que fogem da perseguição, do terror e da guerra". "O Canadá dá-vos as boas vindas, independentemente da vossa religião", escreveu.

Segundo o jornal The New York Times (NYT) o controlo apertadíssimo nos aeroportos já levou diversas organizações e advogados a encetar processos judiciais contra a Administração, por uma decisão que consideram arbitrária e que afecta todos os muçulmanos por igual. Aliás, não são os únicos a contestar a medida e a mostrar preocupação com o impacto indiscriminado. Neste sábado, alguns especialistas ouvidos pelo NYT criticaram o decreto. Um analista diz mesmo que a retórica anti-muçulmana de Trump "reforça o Daesh".

Diz o mesmo jornal que mesmo aqueles passageiros que estavam num voo rumo aos EUA, durante a noite de sexta-feira – quando Trump assinou o decreto – chegam a território norte-americano e são pura e simplesmente mandados para trás.

Por agora, não é claro quantas pessoas estão nesta situação nos diferentes aeroportos norte-americanos, sublinha o NYT, acrescentando porém que organizações como a American Civil Liberties Union ou o National Immigration Law Center já avançaram com queixas judiciais contra a decisão da Administração Trump que, diz o jornal, deixou todos os viajantes muçulmanos numa espécie de “limbo” legal. Os visados da queixa são o Presidente Donald Trump e o secretário de Segurança Interna,

A directora do Council on American-Islamic Relations, Lena Masri, confirmou que a sua organização vai interpor uma queixa contra a Administração na segunda-feira, argumentando que a acção do Presidente viola a Constituição dos Estados Unidos. "Estas detenções são dirigidas contra a comunidade muçulmana, o que é claramente inconstitucional", disse ao jornal The Guardian.

Mas um dirigente da Administração, citado sob anonimato pelas agências de notícias, disse que o facto de cidadãos de países muçulmanos como o Afeganistão, Malásia, Omã, Paquistão, Tunísia ou Turquia estarem impedidos de entrar nos Estados Unidos deita por terra esse argumento. "Dezenas de milhares de estrangeiros continuam a poder viajar para os Estados Unidos. A ideia de que se trata de uma proibição de muçulmanos é absurda", considerou.

No maior aeroporto de Nova Iorque, o JFK, dois iraquianos foram os primeiros a ser detidos após a assinatura do decreto de Trump. Um deles, Haneed Khalid Darweesh, trabalhou como intérprete para o Governo norte-americano durante uma década. O outro, Haider Sameer Abdulkhaleq Alshawi, estava a chegar aos EUA para se juntar à mulher, que trabalhou para empresas norte-americanas, e ao filho, ambos já residentes nos EUA.

Ambos foram detidos na sexta, depois de chegarem ao JFK em voos distintos. Além deles, foram detidos 11 refugiados, segundo informou a congressista democrata de Nova Iorque, Nydia Velazquez, que se encontra no aeroporto. Mark Doss, o advogado que representa os dois iraquianos entrou com um pedido de habeas corpus para conseguir a libertação imediata dos seus clientes: Darweesh já foi libertado, mas Alshawi permanece detido, disse o advogado à BBC.

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