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“O impacto das eleições nas políticas da Alemanha está a ser sobrevalorizado”

Guntram Wolff, director do instituto Bruegel, avisa que as opções para a Europa seguidas pela Alemanha não vão mudar radicalmente a seguir às eleições.

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"Uma agenda proteccionista de Donald Trump afectar-nos-ia a todos. A UE não tem neste momento instrumentos fortes para reagir a isso" Miguel Manso

Guntram Wolff é o director de um dos mais influentes think tanks de Bruxelas. Revelando dúvidas em relação à forma como as cimeiras dos países do Sul são vistas nos países do Norte, o economista alemão defende que a melhor forma de se fazer avançar o debate sobre reformas na zona euro é centrar as propostas naquilo que é, neste momento, politicamente exequível e aproveitar a necessidade de união trazida pelas políticas de Trump.

Acha que, no actual contexto europeu, as propostas que Portugal faz para a reforma do euro, pedindo mais investimento, um reforço da capacidade orçamental e uma maior partilha de riscos são exequíveis?
Actualmente, temos na Europa um debate muito importante e amplo sobre temas como o crescimento e a convergência, sobre como é que podemos ter mais empregos e um melhor desempenho económico na Europa. A grande questão que se tem vindo a colocar é a de saber quais são os passos exequíveis que podem ser dados agora, garantindo-se maiorias políticas e mostrando que a UE é mesmo um valor acrescentado para os seus cidadãos. É muito importante que se discuta como é que a UE deve reagir às mudanças que podem ocorrer na economia mundial.

Em particular a chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos?
Sim. Uma agenda proteccionista de Donald Trump afectar-nos-ia a todos. E francamente, a UE não tem neste momento instrumentos fortes para reagir a isto. Por isso é que eu acho que, em vez de voltarmos a ensaiar o debate que já temos tido na zona euro há muitos anos - em que o Sul diz que é preciso mais partilha de riscos e o Norte diz que são precisas reformas estruturais antes da partilha de riscos – acho que uma abordagem nova e mais produtiva seria encontrar algo em que todos juntos pudessem fazer a diferença. E uma dessas áreas é a do comércio internacional.

O que está a dizer é que Trump pode unir a Europa?
Acho que há pelo menos algumas hipóteses de Trump unir a Europa. É preciso trabalhar para que isso aconteça, mas penso que se irá tornar muito evidente para diversos actores, incluindo os maiores países do Norte, incluindo a Alemanha e a França, que isolados temos poucos meios para enfrentar uma ameaça potencial proveniente dos Estados Unidos. Parece-me que este é um bom tópico para lançar o debate sobre a reforma da UE e da zona euro.

As propostas de Portugal que apontam para maior partilha de riscos entre os países da zona euro e mais investimento podem ter alguma hipótese neste momento?
Penso que mais investimento é algo que é exequível. Tudo está relacionado com o plano Juncker, que foi algo que mudou o tom do debate, com as pessoas de uma forma mais generalizada a reconhecerem que é importante reforçar o investimento. No entanto, a verdade é que o plano Juncker continua a ter efeitos muito pequenos e a discussão agora é se podemos aumentar a sua escala. É uma questão muito prática. E sim, com os tratados actuais, podemos aumentar ainda mais a assunção de risco por parte do Banco Europeu de Investimento, partilhar mais o risco e assim obter mais investimento. Mas, claro, é preciso que haja consenso político.

Vários países, especialmente a Alemanha, não têm mostrado vontade de ir nessa direcção…
Sim, é verdade. Há reticências em partilhar os riscos e aumentar os riscos, por exemplo do Banco Europeu de Investimento. Mas o debate está a ser feito e o problema é que se está a avançar muito mais lentamente do que aquilo que é preciso. Agora temos de perceber que, na Alemanha, aquilo que muitos dizem é que, antes de tudo, é preciso que os países façam o seu trabalho de casa. Essa visão é muito forte na Alemanha. E realmente, em alguns países que fizeram o seu trabalho de casa, vemos resultados muito bons a acontecerem, como mostra o caso da Espanha, em que o facto de ter sido limpo o seu sector financeiro constituiu a grande razão para as divergências face à Itália, por exemplo. Cada país tem o seu tipo de problemas, e não tenho a ilusão de saber o que é que cada um dos países, por exemplo Portugal, terá de fazer. Mas depois há a parte europeia da questão. E aí colocam-se questões como a do financiamento do investimento ou do reequilíbrio da economia europeia. E aí, é decisivo saber como é que se gera mais crescimento e procura interna na Alemanha. Isso é fundamental. A Alemanha tem de mudar a sua agenda de crescimento, tem de mudar para fontes domésticas de procura.

Há condições políticas para que isso aconteça brevemente?
Há uma enorme resistência política a isto, mas vai ter de haver uma mudança, porque não é sustentável registar excedentes externos de 8% durante muitos anos. É um debate muito tóxico para se ter na Alemanha, vai ser difícil, mas vai ter de ser feito. De uma forma inteligente, pensando qual é a melhor maneira de aumentar a resiliência da economia alemã. E, definitivamente, ajudaria o resto da zona euro.

As mudanças na política económica alemã, nesse tema mas também noutros como a união bancária, a maior partilha de riscos, o alívio da dívida, podem surgir depois das eleições?
Parte da resposta a essa pergunta depende obviamente do resultado das eleições. Por exemplo, ter Martin Schulz como chanceler ou Angela Merkel como chanceler é bastante diferente em termos das políticas que seriam seguidas. Mas ainda assim, o impacto das eleições na política alemã está a ser sobrevalorizado. Em primeiro lugar, a eleição em si mesmo não é a razão pela qual o actual Governo, por exemplo, recusa um alívio da dívida de grande dimensão à Grécia. Se no dia a seguir às eleições, o ministro das Finanças alemão for o mesmo que é agora, a Alemanha não vai aceitar imediatamente um grande alívio de dívida à Grécia. Não se deve pensar que Wolfgang Schäuble se está agora a conter, à espera das eleições, para depois actuar. Não é essa a lógica.

Qual é a lógica?
A razão fundamental é a desconfiança permanente na capacidade do Governo grego para gerir os seus próprios problemas. A dúvida que é colocada é: depois de se dar um alívio de dívida, quem é que garante que cinco anos mais tarde a Grécia não vai bater outra vez à porta? É uma desconfiança em relação à capacidade dos políticos gregos, que existe agora e que vai continuar a existir depois das eleições.

E se o Governo mudar?
Haverá diferenças. E essas diferenças serão relevantes, mas não nos devemos iludir a pensar que tudo será totalmente diferente. Não será.

Com a inflação a subir, a Alemanha pode também entrar em confronto com o BCE?
Em primeiro lugar, é importante dizer que são boas notícias se a inflação na Alemanha subir. O BCE quer a inflação na zona euro em 2% e claro que se há país que tem de ter uma inflação acima dessa média esse país é a Alemanha, não é a Itália. O ideal é termos uma inflação de 3% na Alemanha e de 1% em Itália, para que a média seja 2% e se registe um ajustamento dos preços e da competitividade. Essa é a lógica económica. Agora, o que BCE tem é um problema político. O BCE está sob pressão política da Alemanha porque uma inflação mais alta com as taxas de juro iguais significa que se verifica uma taxa de juro real mais baixa, que conduz a uma resistência daqueles que são aforradores na Alemanha. A isto o BCE tem respondido bem, afirmando que a sua meta de inflação é apenas para a média da zona euro. E ponto.

Mário Draghi pediu paciência aos alemães. Vai tê-la?
Penso que vai tê-la, mas há alguns problemas, nomeadamente nas seguradoras e nos fundos de pensões que vão sentir um forte aperto. A pressão política vai crescer, não será um problema este ano, mas no próximo haverá várias instituições em que vamos começar a ver problemas de instabilidade financeira significativos.

Como é que vê a situação de Portugal?
Não sou um especialista em relação a Portugal. É evidente que há questões que são mais importantes, como o crescimento da sua produtividade, o nível de endividamento tanto no sector público como privado ou a saúde do sector bancário. Mas não me arrisco a dizer o que é que deve ser feito primeiro e depois, não sei o suficiente sobre o assunto.

Portugal recebe este sábado mais uma cimeira de países do Sul. Acha que esta é a melhor forma de promover mudanças na zona euro?
Bem, a última cimeira do Sul não caiu muito bem nos países do Norte. Uma das expressões usadas de forma pejorativa foi a de que era “o ClubMed a tentar obter um perdão de dívida”. Nessa altura a percepção não foi nada positiva. Mas agora o debate está mais calmo, pode haver mais hipóteses de se encetar um diálogo. Não sei qual é a agenda da cimeira, mas não tenho dúvidas de que há vários excelentes temas que devem mesmo ser discutidos entre os países mediterrânicos. A migração por exemplo. Esse poderia ser um bom tema para que a cimeira do Sul desse inputs importantes para o debate europeu.

Outros temas, como o alívio da dívida, serão menos bem-vindos a Norte?
É sempre possível debater o alívio da dívida, mas em última análise, ela tem de ser discutida com os credores. É verdade que a França é um dos grandes credores, mas acho que se tem de envolver a Alemanha. Por isso não tenho muita certeza até que ponto é que um debate entre os países do Sul sobre este tema possa trazer de muito útil.

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