Se por um lado todos, homens e mulheres, sofremos pressão mediática para corresponder a um ideal físico que muda ao longo dos tempos, por outro lado somos constantemente bombardeados com pressão da indústria alimentar para incluir de tudo, sejam refrigerantes ou bolachas, na nossa alimentação. E quão fácil é perdermo-nos no labirinto dialéctico das calorias, do light, do sem açúcar, do vegetariano ou do biológico, que nos levam a tomar uma opção supostamente mais saudável do que outras. Afinal vemos constantemente bem torneadas figuras de jovens, desportistas, modelos ou actores a promover com os seus corpos esculturais e sorrisos branqueados as marcas de comida rápida e de alimentos processados que nos dizem poder incluir na nossa dieta. Assim é difícil não acreditar que hamburguers, pizzas e gelados nos conduzam ao corpo que somos programados a desejar a vida toda e que não vamos ter, porque não é suposto.
Enquanto habitamos a mediática ditadura encapotada e brilhante que nos leva a acreditar que deveríamos ser todos Sara Sampaio e Cristiano Ronaldo — porque é isso que vemos em todas as revistas, anúncios, filmes e cartazes —, vivemos paralelamente a realidade de que o corpo normal é o nosso, porque pertence a uma vida normal que também é a nossa e que se há algum problema com ele, deve-se não só a um ideal desajustado como também a desinformação e políticas alimentares erradas.
Temos de aceitar que as mulheres têm celulite e que os homens não são um monte de músculos porque os nossos corpos não são instrumentos de trabalho milionários aos quais possamos dedicar o dia inteiro a fim de os moldar. São sim o meio que temos para concretizar a nossa vida e devem ser objecto de respeito em tudo o que fazemos e metemos cá dentro. Devem também ser fonte de aceitação, não de frustração e decepção. Sentimentos esses que nascem dos comportamentos extremistas de quem luta para ser quem não é mas também de quem desistiu de ser o melhor que pode ser.
Nisto, como em tudo, há sempre o reverso da medalha, que aqui é a tendência inversa à do culto do corpo perfeito — a de aceitar os excessos do estilo de vida como naturais. Isso conduz-nos a um tipo de problema diferente, pois não só mascara habitualmente questões de saúde mais profundas, mas é também uma forma de tomar frequentemente caminhos alimentares constantemente errados, sob a capa da revolta. É a atitude de quem se destrói no sentido inverso numa atitude da aceitação exacerbada, criando antes mais problemas ao invés de os resolver. Isso, tal como o seu oposto, tem vindo a ser utilizado também como justificação para o facto de que nos estamos a tornar uma espécie cada vez mais obesa e deformada, não apenas pelo que comemos e deixamos de comer mas também pelo estilo de vida cada vez mais sedentário que adoptámos. E com o qual não nos importamos, porque estamos a perder a consciência da importância de um corpo cada vez menos utilizado.
As pessoas não são todas iguais e os corpos também não, mas é cada vez mais difícil perceber qual é o nosso e qual é o seu lugar e feitio.