Quantas datas de inauguração pode ter uma exposição?
A Cidade Global, exposição do Museu Nacional de Arte Antiga prevista para Novembro e depois empurrada para Janeiro, voltou a ser adiada – devia abrir na quinta-feira, mas afinal só é inaugurada a 24 de Fevereiro.
Apresentada como o grande destaque da programação do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) para 2016, A Cidade Global – Lisboa do Renascimento, acabou por ver a sua inauguração empurrada para Janeiro de 2017. E como se um adiamento não fosse, só por si, insólito e embaraçoso, a exposição volta agora a ser recalendarizada, estando a abertura marcada para 24 de Fevereiro. Quantas datas de inauguração pode ter uma exposição até que passemos a duvidar da sua realização?
Não será caso para tanto. Aparentemente – “aparentemente” porque, apesar da insistência do PÚBLICO, não foi possível obter resposta a uma série de perguntas relativas a estes adiamentos sucessivos – a exposição nunca esteve em risco. Terá sido apenas vítima da burocracia pesada que caracteriza boa parte das instituições do Estado e, em particular, a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), que é o maior organismo do Ministério da Cultura e que tutela o museu.
Afinal, o que é que falhou? Por que razão não se respeita a data de inauguração de uma exposição que promete abrir uma janela para a Lisboa da Expansão dos séculos XVI e XVII através de 250 peças, muitas delas nunca vistas em Portugal, pertencentes a 80 coleccionadores públicos e privados, portugueses e estrangeiros? E como é que estes adiamentos afectam a imagem de Portugal e das suas instituições culturais?
Aquando do primeiro adiamento, em meados de Novembro, o gabinete do Ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, justificou o atraso com "o elevado número de entidades emprestadoras e a demora, da parte de algumas delas, na definição dos empréstimos e das respectivas condições de exposição”. Mas algumas das fontes então ouvidas, entre elas coleccionadores que emprestarão peças, disseram que se devia a falta de dinheiro para pagar os transportes das obras e a atrasos no lançamento dos concursos exigidos, algo que a DGPC contrariou prontamente, garantindo que tinha sido “assegurada a necessária cabimentação orçamental”.
Nessa mesma altura, o museu atribuiu o atraso a “procedimentos administrativos” que, dada a sua dependência da tutela, estavam a cargo da Direcção-Geral. Isto sem deixar de sublinhar que era a primeira vez, em seis anos, que falhava uma data de inauguração.
Desta vez não houve esclarecimentos – nem do museu, nem da DGPC, nem do gabinete de Castro Mendes. O que houve, pela primeira vez, foi um subdirector-geral do património que não António Filipe Pimentel (o actual director do MNAA é também subdirector-geral do Património) a comprometer-se com uma data de inauguração de A Cidade Global. Foi David Santos quem informou o PÚBLICO ao início da tarde desta terça-feira, através de um breve email, que a exposição decorrerá entre 24 de Fevereiro e 9 de Abril.
A manterem-se estas datas – sejamos cautelosos – a exposição prevista para quatro meses acabará por ter um mês e meio, com tudo o que isso implica em termos de retorno financeiro e de públicos para um mesmo investimento (deverá custar 280 mil euros e não pode ser prolongada porque, no mesmo espaço, inaugurará a 17 de Maio Madonna. Tesouros dos Museus Vaticanos, em estreita ligação com o centenário de Fátima).
E se este segundo adiamento tem potencial para tornar ainda mais desconfortável a posição do MNAA face aos emprestadores – entre eles estão o Museu Britânico, em Londres, ou o Museu do Prado, em Madrid, duas das instituições culturais mais importantes do mundo -, também é verdade que reflecte as dificuldades de funcionamento que os museus enfrentam no seu dia-a-dia, mesmo quando se tratam de “equipamentos bandeira” (a expressão já foi várias vezes usada pelo ministro da Cultura em relação ao MNAA). Dificuldades, sublinhe-se, que não são exclusivas de Arte Antiga, muito pelo contrário. A própria DGPC admitiu, à data do primeiro adiamento, que atrasos nas inaugurações nos seus museus não são desejáveis, mas podem ocorrer e ocorrem “com frequência” e “por razões diversas”.
Entre estas razões, defenderão muitos, está a falta de dinheiro (de notar que para A Cidade Global o MNAA não conta com o apoio de uma produtora externa como tem acontecido com algumas das suas maiores apostas nos últimos anos) e a excessiva burocratização dos processos administrativos que uma exposição exige, aliada à falta de autonomia dos museus quando chega a hora de tomar decisões.
O Ministério da Cultura está há meses a trabalhar em propostas de novos modelos de gestão de algumas das suas instituições, incluindo teatros nacionais e o Museu de Arte Antiga. O objectivo é torná-las mais ágeis mas, no caso do MNAA, sem diminuir a autoridade da DGPC, frisou já várias vezes Luís Filipe Castro Mendes.
O museu, por seu lado, entregou à tutela, quando a Cultura tinha ainda como titular o secretário de Estado Jorge Barreto Xavier e no Governo estava a coligação PSD-CDS, um plano de desenvolvimento a que chamou “MNAA 2020”, e que fazia já várias propostas no sentido da autonomização. A situação que agora conduz ao segundo adiamento da mesma exposição num dos principais museus públicos portugueses não é da responsabilidade de um Governo, de um ministro, de um director-geral ou de um director de museu, está há muito instalada.
Até quando terão os museus nacionais de esperar para poderem anunciar as suas programações com antecedência e sem medo de vir a falhar? E que sentido faz falar da relação da Cultura com o Turismo e a Educação quando um museu como o MNAA é obrigado a adiar duas vezes uma exposição sobre a Lisboa dos Descobrimentos, temática que tanto atrai o público estrangeiro e que faz parte do currículo de qualquer aluno português em vários graus de ensino? Como se planeia, sem datas, uma visita de lazer ou de estudo?