Projecto pedagógico da Gulbenkian: “Dantes não éramos unidos. Agora somos uma turma”

Chama-se 10x10 e é um projecto da Gulbenkian que mudou a forma como se dão algumas disciplinas. E que junta professores, artistas e alunos. O PÚBLICO assistiu a uma destas aulas onde o ensino da História se junta à Educação Física.

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“Era constrangedor fazer algumas figuras frente aos colegas”, diz Ricardo Dias, de 16 anos Paulo Pimenta

Passam poucos minutos das 9h00 na Escola Secundária do Cerco, no Porto. Numa sala de aula, os alunos espreguiçam-se em simultâneo, de pé, em torno de um conjunto de mesas que formam uma única, ladeada pelas cadeiras onde estavam sentados segundos antes. Comportamento pouco próprio para uma aula de História?

A coordenadora do projecto no Porto, Luísa Corte-Real, também responsável pelo serviço educativo do Teatro Nacional São João (TNSJ), explica que é apenas mais um exercício das “micropedagogias” criadas pela tripla composta por duas professoras, de Educação Física e História, e uma encenadora e actriz convidada pelo TNSJ, no âmbito do projecto pedagógico 10x10, levado a cabo pela Fundação Calouste Gulbenkian. Objectivo: desenvolver novas estratégias educativas em contexto de sala de aula.

À escola do Porto, situada numa das zonas mais desfavorecidas da cidade, esta abordagem ao ensino, que está na sua quinta e última edição, chegou há três anos, numa parceria estabelecida com o serviço educativo do TNSJ. No início os alunos estranharam. Progressivamente foram-se habituando e adaptando a uma nova forma de aprender. O PÚBLICO assistiu a uma destas “aulas” numa turma de 26 alunos do 10.º ano, que neste ano lectivo foram escolhidos para fazer parte do projecto.

“Era constrangedor fazer algumas figuras frente aos colegas”, diz Ricardo Dias, de 16 anos, que no início do ano não conhecia quase nenhum dos colegas de turma. Essas “figuras” são exercícios de concentração, de leitura ou de energização, como é o caso do espreguiçar. Para trás estão nove anos de frequência na escola, onde se habituaram aos métodos de ensino convencionais.

Na edição deste ano, no Cerco, a matéria foi articulada entre duas disciplinas: História e Educação Física. A escola programou o horário da turma de forma a que as duas “cadeiras” fossem leccionadas uma a seguir à outra, formando uma espécie de aula conjunta de 180 minutos. De acordo com Dárida Castro, professora de Educação Física há 37 anos, e há quase 30 no Cerco, numa fase inicial isso causou alguma “confusão e estranheza” nos alunos. Como se cruzam os programas de disciplinas tão distintas quanto estas? A matéria centrada na Civilização Grega e Romana, teria que ser de alguma forma encaixada no atletismo ou na ginástica acrobática.

Foi a partir do momento em que se realizou um peddy paper que misturou o exercício físico com a matéria de História que “os alunos entraram no espírito”, conta a professora de Educação Física. Como o ponto de partida são as duas civilizações, nas aulas fazem-se alguns exercícios de acrobacia “mais dramatizados”, na tentativa de recriar edifícios, como o coliseu romano ou esculturas e estátuas, e coreografias que simulam as deslocações em grupo e os ritmos da passada dos legionários do exército romano.

O projecto pedagógico 10x10 apresenta um modelo que recorre a métodos de ensino alternativos, no sentido de motivar os alunos e de os incluir no processo de aprendizagem. Essa participação é um dos aspectos que mais atrai os alunos. “Dantes não éramos unidos. Agora somos uma turma”, afirma Patrícia Silva, de 15 anos, que considera que esta abordagem criou uma maior união entre professores e alunos e com o resto dos colegas.

“Não há propriamente uma receita”

No dia em que o PÚBLICO visitou a escola do Cerco, na sala de aula discutia-se em conjunto. Na aula de História estavam presentes, além da professora da disciplina e dos alunos, a professora de Educação Física, Dárida Castro, e a actriz e encenadora Rosário Costa. E tem sido assim desde o início do ano lectivo.

Nos últimos dias, os preparativos centram-se na Aula Pública que será apresentada no dia 28 de Janeiro na Gulbenkian, em Lisboa, a 11 de Fevereiro em Loulé e a 25 de Fevereiro no Mosteiro de São Bento da Vitória, no Porto, as três áreas geográficas onde o projecto funciona. Estão envolvidos o Agrupamento Dr.ª Laura Ayres, em Loulé, o Agrupamento de Escolas Aquilino Ribeiro, em Oeiras, a Escola Seomara Costa Primo, na Amadora, e a Secundária do Cerco, no Porto.

A Aula Pública será o culminar do trabalho desenvolvido durante o primeiro trimestre do ano lectivo. É uma apresentação pública que resume as “micropedagogias” desenvolvidas pela artista convidada, Rosário Costa, à volta das matérias do plano curricular das duas disciplinas. A actriz garante que “não há propriamente uma receita” para a criação dessas “micropedagogias”. É “necessário ter em conta todos os factores envolvidos”, que passam pelo espaço, alunos e professores.

A metodologia desta abordagem difere da convencional, precisamente por existir uma parceria activa entre os professores de diferentes disciplinas e o artista convidado, no sentido de proporcionar ao aluno “um ensino orientado, mas também autónomo”, muito diferente do que acontece no método convencional que é “meramente expositivo e de memorização”, explica Dárida Castro. Um método que, diz, está “desactualizado” e longe das necessidades dos alunos “que são muito diferentes dos de há alguns anos atrás”. A professora sublinha, que apesar de esta ser a última edição do projecto, o trabalho que foi desenvolvido não termina: “A ideia é que estes métodos continuem a ser utilizados e replicados por outros professores noutras turmas.”

De resto, garante, nesta escola alguns professores já mudaram as suas práticas por causa deste projecto. A começar por ela.

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