A genética pode salvar o cacau da vassoura-de-bruxa?
Um estudo sobre a história genética do cacau no Brasil levou os cientistas até velhos cacaueiros que podem ajudar a recuperar décadas de declínio desta cultura afectada por um fungo que causa uma doença chamada "vassoura-de-bruxa".
A vassoura-de-bruxa quase conseguiu varrer o cacau para fora do Brasil. Só nos últimos anos é que os produtores têm conseguido recuperar dos efeitos devastadores do fungo Moniliophtora perniciosa, que transmite a doença que atacou durante as últimas duas décadas as plantações de cacau da Bahia. Agora, um grupo de cientistas analisou e sequenciou 219 amostras de folhas de cacaueiros em sete fazendas, assim como outras 51 amostras de híbridos, e encontrou árvores resistentes à doença. Os autores do artigo, publicado na revista PLos One e divulgado esta semana, defendem que o sucesso do cacau do Brasil pode depender da preservação destas árvores.
O estudo descreve a história genética e a diversidade molecular do chamado “cacau da Bahia”, um conjunto de variedades locais desenvolvidas nos últimos dois séculos. A investigação foi desenvolvida por uma equipa de cientistas no Brasil que quis encontrar alguma pista sobre a vulnerabilidade desta árvore à doença da vassoura-de-bruxa.
Esta praga terá surgido na região de Ilhéus-Itabuna em 1989 e ameaçou seriamente a cultura do cacau na Bahia. “A produção brasileira, que era de 320 mil toneladas por ano, despencou para 190 mil toneladas por ano em 1991. Toda a queda corresponde ao tombo da cacauicultura baiana, estado que concentrava 80% da produção”, assinala um comunicado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que financiou a investigação e divulgou agora os resultados do projecto.
Nas últimas duas décadas, multiplicaram-se os esforços para recuperar a cultura do cacau e derrotar o fungo e uma das frentes de batalha tem sido a procura de novas variedades de cacau resistentes à praga. Começaram a surgir alguns resultados: “A produção brasileira de cacau, que recuou a um mínimo de 170 mil toneladas em 2003, atingiu 291 mil toneladas em 2014, a maior safra em 26 anos.” Mas ainda não chega, até porque o fungo continua presente na região. Este estudo genético sobre a árvore do cacau (Theobroma cacao) pode ser mais uma arma importante nesta batalha.
“A baixa resistência do cacau da Bahia à praga da vassoura-de-bruxa sempre me intrigou”, afirma a principal autora do trabalho, Anete de Souza, da Universidade de Campinas, citada no comunicado da FAPESP. E adianta: “A Amazónia brasileira é um dos centros da espécie Theobroma cacao. Portanto, devem existir muitas variedades e tipos de cacau diferentes, alguns inclusive resistentes ao fungo M. perniciosa. Então, como se explica que a praga praticamente dizimou as plantações de cacau do Sul da Bahia em poucos anos, sendo que ele veio da Amazónia? Decidimos então estudar a história genética do cacau da Bahia para encontrar a razão de sua baixa resistência à vassoura-de-bruxa e assim encontrar uma maneira de torná-lo mais resistente ao fungo.”
Reza a história que o cacau chegou à Bahia em 1746, quando um colonizador francês que vivia no Pará, Luiz Frederico Warneau, enviou sementes da variedade Forastero (da subespécie Amelonado) ao fazendeiro português António Dias Ribeiro, que as semeou no município de Canavieiras. Em 1752, foram plantadas as primeiras sementes em Ilhéus, precisa ainda a FAPESP.
Durante o século XIX, as fazendas de cacau ocupavam a região e as exportações aumentavam, respondendo à procura do chocolate na Europa e nos Estado Unidos. A praga que em 1989 estragou o negócio é endémica na América do Sul e das Caraíbas e, ao contrário das sementes de cacau, nunca chegou a África.
O que se sabe é que as árvores de cacau na Bahia, da variedade Forastero, são muito vulneráveis à vassoura-de-bruxa. A equipa de investigação sequenciou todas as suas amostras de plantas de cacau, centrando-se em 30 marcadores de ADN que permitiam comparações entre as variedades. Uma das principais conclusões foi precisamente a baixa diversidade genética das plantas, que mostraram origens muito próximas, revelando que “todos os cacaueiros baianos têm a sua origem em um número muito pequeno de indivíduos”.
Boas notícias também
E se, por um lado, a “pureza” genética do cacau Forastero é uma garantia da sua qualidade (esta variedade é resistente, tem maiores rendimentos e o seu grão de cacau dá ao chocolate o conhecido e irresistível aroma). Por outro lado, esta fraca diversidade genética torna a espécie mais vulnerável a pragas. Aliás, segundo o estudo agora divulgado, os híbridos criados nas décadas 50 e 60 e que são cultivados ainda hoje têm ainda menos diversidade genética.
Mas nem tudo são más notícias. No estudo, encontraram-se algumas árvores resistentes à doença em algumas fazendas. “São cacaueiros anteriores à praga, que jamais foram atacados, não foram derrubados e continuam a produzir”, explica Anete de Souza, defendendo a preservação das árvores de cacau Amelonado (subespécie da variedade Forastero). “Governo e fazendeiros precisam de preservar essas variedades, elas representam o sucesso no futuro da cacauicultora”, conclui.
Um dos caminhos em aberto agora será a criação de novas sementes híbridas obtidas de árvores de cacau com resistência à vassoura-de-bruxa e com maior diversidade genética. Depois resta esperar pelo sabor do chocolate para provar a qualidade deste produto adorado por milhões de pessoas. Não é por acaso que a árvore de cacau se chama Theobroma cacao, que significa algo como “alimento dos deuses”.