É fácil escrever, dizia eu do alto dos meus dez anos, basta encostar a caneta ao papel e desenhar uma letra, e depois outra, compondo mensagens, frases, parágrafos e textos inteiros, contando toda uma vida sem sequer abrir a boca, sem ter de abrir a boca, sem que ninguém me ouça, sem que tu me ouças, julgues ou condene. Porque ninguém me ouve, e à minha volta apenas o silêncio, e na escrita a liberdade, na escrita os braços abertos ao vento, o peito aberto e um horizonte sem fim enquanto uma criança, esta, corre sem fim em direcção ao mar.
Porque sim, porque é fácil escrever, pensava, e se é tão fácil escrever então decerto toda a gente escreve. E como toda a gente escreve, então talvez esta palavra, assim escrita entre duas lágrimas e um beijo numa carta de amor, não seja tão importante assim, e talvez seja melhor guardá-la na gaveta, porque assim ninguém a vê, à palavra, e assim ninguém se ri, da palavra, e assim tu não te ris, de mim, aqui, sentado no escuro, onde não me podes ver a gostar de ti, a olhar para ti, com o coração na boca, muda, incapaz de dizer com os lábios tudo o que acabei de trancar a sete chaves.
E assim escrevi, durante anos, emudecido, vencido pela inevitabilidade da realidade num mundo onde, estava convencido, toda a gente escrevia e tu não me ouvias, de tão distraída pelas palavras de todos quantos escreviam para ti.
Eu não tinha hipótese.
E por não ter hipótese, deixei de escrever para ti e passei a escrever para os outros, mas sempre esperançoso de uma resposta tua. Porque, afinal, é tão fácil escrever.
De repente, publiquei um livro, e depois outro, e depois outro, e depois outro, apareci nos jornais e na televisão, mas de ti nada, e eu sempre a escrever, todos os dias à espera do senhor carteiro e da caixa de correio cheia de ti, dos teus olhos, das tuas mãos, das tuas palavras, mas nada.
Os anos passaram, crescemos os dois, fiquei a saber que entretanto casaste, tiveste filhos, mudaste de cidade e mudaste de país, e eu também.
Os anos passaram e envelhecemos os dois. Hoje só eu sei como morreste. Estou de joelhos sobre a tua campa e nas mãos seguro uma carta que ficou por entregar, escrita há muitos anos pelas mãos infantis de uma menina de dez anos. Dentro da carta uma palavra só, escrita a meio da página, “sim”, e nesse dia o escritor chorou todas as lágrimas algumas vez escritas.