Com twist assim o rock'n'roll nunca ficará encalhado

Os The Twist Connection marcam o regresso de Kaló, depois dos Bunnyranch, à posição de vocalista e baterista endiabrado na frente do palco. Stranded Downtown, o álbum de estreia, chega para mostrar com quanta electricidade se faz o novo velho rock'n'roll.

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Bruno Pires

Esta banda de Coimbra pode ser recente mas, na verdade, já existe há muito, como bem o sabem alguns agentes alfandegários americanos. Em meados da década passada, encontrávamos Kaló nesse portento rock’n’roll chamado Bunnyranch. A banda de Trying to Lose chegava aos Estados Unidos para gravações e alguns concertos. Os seus elementos tinham um visto de 15 dias, não profissional, e os senhores alfandegários americanos, como se sabe, são muitos ciosos das suas regras. E o material que o grupo carregava só podia dizer uma coisa. Que aquele pessoal que aparecia à frente do zeloso agente era claramente uma banda e que certamente iria mostrar em palcos nova-iorquinos com quanta electricidade se faz o bom rock’n’roll. Ora isso, sem visto profissional, não podia ser.

Nesse tempo tão distante existia uma plataforma online chamada MySpace, como os mais idosos entre nós se recordarão. Ora, na página dos Bunnyranch, estavam alinhados todas as datas dos concertos dos dias seguintes. Por isso, quando o senhor agente perguntou o nome da banda, Kaló e restantes Bunnyranch estavam preparados. “Twist Connection”, responderam todos. Uma pesquisa infrutífera pela Net depois (a do agente desconfiado), passagem franqueada. E a confirmação, passados todos estes anos: a banda que conhecemos agora já existia. Agora que chega Stranded Downtown, Kaló, o baterista/vocalista de pé na frente do palco, Samuel Silva, o guitarrista que conhecemos anteriormente dos Los Saguaros e dos Jack Shits, e Tiago Coelho, o baixista que gravou o álbum de estreia e que foi entretanto substituído por Sérgio Cardoso, distinto veterano da cena coimbrã (nos históricos É Mas Foice, lá longe no final dos anos 1980 ou, mais recentemente, nos WrayGunn), passamos à frente a pequena aventura vivida na zona alfandegária de um aeroporto americano e ouvimos o que nos diz o co-fundador da banda.

Em entrevista telefónica desde Coimbra, Kaló, que depois dos Bunnyranch vimos, entre outros, na formação dos Parkinsons ou dos Dirty Coal Train, fala-nos de Hank Ballard & The Midnighters, que gravaram em 1959 The twist, o tema que desencadearia um fenómeno global na versão de Chubby Let’s twist again Checker. “Quando penso em twist penso no movimento, na dança, na animação. Associo-o a uma série de situações dançáveis do rock’n’roll.” Sim, há coisas que não mudam. Na vida de Kaló e de Samuel Silva, os fundadores dos Twist Connection, o rock’n’roll, no seu sentido mais lato, é uma constante. “Muito sinceramente, continua a mexer connosco e nós vamo-nos conduzindo nesta coisa que já existe há seis décadas e que ainda nos põe a funcionar, que nos põe a perceber que podemos olhar para trás e descobrir algo de novo em coisas de 1950 e tal." O que pretendem, diz também, “é uma consciência de presente”. É “mexer” no que já aconteceu. “E quando mexemos, transformamos.” De facto.

Não é pessimismo, é esperança

A bateria marca o ritmo, timbalão electrónico a ecoar, tonitruante, nos intervalos do compasso marcado pela tarola. A guitarra troveja o riff e tremeluz com intensidade, há um synth em fundo a dar discreto corpo fantasmagórico ao conjunto e ouvem-se os primeiros versos: “Cruisin’ for a bad time / an impossible dream / Friday night is here”, primeiro, e, mais à frente: “I just want to feel alive / but I find myself all alone”. A insatisfação é, muitas vezes, o melhor combustível e Kaló e restante banda sabem como transformá-la em prova de força. Não há espaço para lamentos – há demasiada vida e vitalidade nesta música para que tomemos aquelas palavras enquanto tal.

Falamos do título do álbum que marca a estreia dos Twist Connection e Kaló diz-nos algo que resume na perfeição o que aqui se passa. “Há uma faixa fantástica dos australianos The Saints [pioneiros do punk nos antípodas] chamada I’m stranded ["estou encalhado”, em tradução literal]. Quando a cantam, estão a transmitir uma sensação altamente negativa, de impotência, mas se assim é, porque é que aquilo transmite tanto uma ideia de esperança?” A resposta, nos Saints de finais de 1970, como nos Twist Connection da segunda década do século XXI, está no som, está na forma como as canções são, elas mesmas, superação dessa insatisfação. E os Twist Connection tanto o conseguem com riffs em tom grave, seguido de ponte para swingar o rhythm’n’blues na pista de dança, seguida de guitarra em ebulição e pianada blues em fundo (Move over é uma grande, grande canção), como no refrão para canto comunal de Turn off the radio (a new wave revista e reconfigurada em classicismo impoluto, irresistível) ou na surpresa que é a versão de I’m watching you, original de Jay Reatard, o infatigável rock’n’roller americano que, aquando da morte em 2010, deixou discografia tão vasta quanto curtos foram os seus 29 anos de vida. Nela, os Twist Connection, apoiados pelas harmonias vocais dos conterrâneos Birds Are Indie, pegam na guitarra de 12 cordas e fazem ponte com a tão solar Califórnia dos Byrds – mas cantam versos que Roger McGuinn, Gene Clark ou David Crosby nunca cantariam: “To me, you see, you always were a cunt / to me, you see, you never meant that much”. O contraste entre o tom da letra e a graciosidade do som, de resto, adequa-se na perfeição aos Twist Connection.

Desde o início que, por terem Kaló enquanto baterista/vocalista à frente do palco, e por serem banda declaradamente rock’n’roll, surgiu a tentação de os associar aos Bunnyranch. Para Kaló, tais comentários nascem da forma peculiar com que se apresenta em palco. “Há uma série de guitarristas e baixistas que assumem as mesmas funções de banda para banda e ninguém faz esses comentários. Neste caso, é um gajo que canta e toca bateria em pé.” Para Kaló, a comparação nem chega a ser uma questão. “Estou-me nas tintas para o tipo que passa o tempo a dizer a mesma coisa, ‘ah, isto é tudo igual’. Esse pensamento surge habitualmente quando se é mais burgesso e revela quase sempre uma certa dose de ignorância.” Portanto, “há pessoas que vão dizer isso e nós vamos em frente fazer as nossas coisas”. Não esperávamos que fizessem de outra maneira.

O título do álbum de estreia diz-nos que estão encalhados na Baixa da cidade, mas não podemos levar a expressão de forma literal. Os Twist Connection não são trio para ficar parado. “Às vezes esquecemo-nos que o país é pequeno ou que os cachets são complicadíssimos, mas de que vale uma pessoa ficar quieta em casa?" É no palco que “a vida se dá”, é ali, olhos nos olhos com o público, “que se revela com maior clareza o que fazemos e registamos”. O álbum já o temos e mostra com exactidão o que são os Twist Connection. Agora, será tempo de continuar a vê-los onde a música ganha corpo palpável, suado - o primeiro concerto da nova digressão começa no Mercado Negro, em Aveiro (10 de Fevereiro), passa por Espanha e continuará, por agora, até Abril. Encalhados? Nem por sombras. Isso, senhoras e senhores, não é uma possibilidade. 

The Twist Connection - Cruisin' for a bad time from Bruno Pires on Vimeo.

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