Uma declaração de independência europeia

As declarações de independência mais sólidas são as que nascem entre os homens e mulheres sem poder, os jovens e os cidadãos convictos, e levam atrás o resto da sociedade.

Antes de hoje tomar posse, Donald Trump deu entrevistas a jornais europeus sugerindo que seria favorável à desagregação da União Europeia (UE). Elementos da sua equipa de transição, nos primeiros contactos com Bruxelas e outras capitais europeias, perguntaram mesmo, em jeito de provocação, quais seriam os próximos países a seguir o caminho do "Brexit".

Do outro lado do mundo Donald Trump tem como homólogo o único político que nunca criticou e a quem gabou várias vezes: Vladimir Putin. O homem forte da Rússia afirmou em tempos que considerava o fim da União Soviética "a maior catástrofe geopolítica do século XX". Incapaz que é de reconstruir a União na qual nasceu e em cujos serviços secretos primeiro serviu, resta a Putin a satisfação do revanchista: ver colapsar a União dos outros.

Quando Trump e Putin se encontrarem estarão face a face dois homens magnificamente inseguros que acreditam poder reencontrar o vigor perdido ao recrear o mundo da juventude deles, que era o mundo da Guerra Fria. O único papel que a Europa desempenhará nessa fantasia de velhos é o de se apresentar dividida e desorientada, pronta a ser "salva". Para Putin, a salvação estará em todos "respeitarem a Rússia" — através do reconhecimento de uma esfera de influência de que ele disporá como entender, anexando, mudando fronteiras e desestabilizando militarmente países aos quais pouca existência reconhece. Para Trump, o caminho é o de acordos de comércio bilaterais em que os EUA terão sempre um poder desproporcionado e a palavra decisiva, e que se decidirão a honrar, ou talvez não, de acordo com a arbitrariedade habitual dos chefes mafiosos. Para ambos, o afamado "regresso ao estado-nação" — que nos dias de hoje satisfaz as mentes dos intelectualmente superficiais — não é mais do que a nova face do velho dividir-para-reinar. Perante países europeus de dez, 20 ou mesmo 50 ou mais milhões de habitantes, muitos deles fervorosamente crentes na sua excecionalidade e porém na melhor das hipóteses medianos à escala mundial, os impérios revivalistas levariam sempre a sua avante — senão pelos negócios ou pelo poder militar, então pela capacidade de dar cabo do que resta do planeta. O entusiasmo de Trump e Putin com Marine Le Pen na França, Geert Wilders na Holanda e o partido xenófobo AfD na Alemanha dá-nos todas as pistas de que precisamos para entender como deveriam os europeus votar pelo fim da UE para satisfazer as taras dos autoritários.

Mas esse não tem de ser o nosso caminho. Quando Donald Trump fizer hoje o seu juramento, é importante que façamos também o nosso: recusar o nacional-populismo e firmar-nos, cada um de nós, como bastião de uma alternativa. Para quem acredita no caminho de democracia, estado de direito e cidadania cosmopolita que finalmente iniciámos após duas guerras mundiais, essa alternativa constitui-se como uma verdadeira declaração de independência europeia. Nós não nos prestaremos aos delírios senis de quem deseja um regresso à Guerra Fria. Não lhes faremos as vontades. Não passarão.

Uma declaração de independência, na Europa e no mundo de hoje, tem de ser uma declaração de interdependência: o entendimento de que só unidos na diversidade poderemos resistir e de que a resistência de quem ainda acredita na responsabilidade perante o planeta e no direito internacional humanitário será mais crucial nos próximos anos.

Uma declaração de independência é sempre, não o esqueçamos, uma declaração individual em perfeita consciência das insuficiências da política e dos líderes políticos que transitoriamente estão no poder. Perante as dificuldades, uma declaração de independência é mais do que um grito de alma, que neste momento mais poderia aconselhar muita gente sincera a desistir da UE. Uma declaração de independência é a primeira vontade de construção de uma comunidade política — uma Europa plenamente democrática — feita de muitas outras independências, nos nossos países e nas nossas vidas. As declarações de independência mais sólidas são as que nascem entre os homens e mulheres sem poder, os jovens e os cidadãos convictos, e levam atrás o resto da sociedade.

Esta é a oportunidade que agora temos e não podemos desperdiçar

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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