Trump e os inimigos do Estado Social: um desgraçado processo de aceleração
São muito poucos os que hoje têm voz a defender o Estado Social e uma sociedade decente, respeitadora dos direitos humanos, integradora e preocupada com a equidade e com a sustentabilidade
A recente eleição de Donald Trump para Presidente dos E.U.A. configura, para os defensores do Estado Social, uma tempestade perfeita: é que não foi só Trump a ser eleito, o Partido Republicano (dominado por Wall-Street, evangélicos e pelo Tea Party) passou também a dominar todas as Câmaras (Senado e Câmara dos Representantes), tornando-se uma força com total liberdade de acção.
Se juntarmos a isso as nomeações para o Supremo Tribunal, que vão ser feitas por essas mesmas forças, percebemos que a direita norte-americana vai dispor de uma acumulação de poder com poucos precedentes na história daquele país.
Para cúmulo, esta tomada de controlo da democracia por estas forças vem apenas juntar-se ao poder que esses mesmos interesses já detinham no mundo financeiro, empresarial e em muitas organizações supranacionais.
Toda esta concentração de poder dentro de um país tão influente, terá repercussões externas: vai pressionar, ainda mais, o mundo a seguir o caminho do capitalismo ultraliberal, agora explicitamente harmonizado com racismo, misoginia, classismo e boçalidade.
Sabemos o que Trump disse em campanha (basicamente tudo o que lhe apeteceu), mas só a partir de Janeiro de 2017 vamos começar a perceber o que realmente vai fazer.
Mas não é difícil adivinhar que Trump nada fará para reverter a financeirização do mundo (vai até acelerá-la), nada fará contra os interesses das grandes multinacionais (não vai taxar mais as empresas que se deslocalizam) e vai continuar com a destruição do já pequeno Estado Social do EUA, minguando o Obamacare e diminuindo a taxação das empresas (fomentando a offshorização do mundo pela competição fiscal).
Enfim, Trump não cumprirá as promessas que fez aos brancos desvalidos da globalização (que acabaram por ser os votantes decisivos na sua eleição), pelo contrário actuará de acordo com a maioria dos seus eleitores, que não votaram enganados: as pessoas de direita, maioritariamente conservadoras nos costumes e liberais na economia, que gostam da sociedade selvagem (os falcões ou tubarões, conforme a metáfora animal que preferirem).
Esse grupo vai impor a sua agenda de costumes (no aborto, no casamento gay, na segregação racial, de género e de classe) e vai aprofundar a agenda liberal, que agravará as desigualdades de rendimento e riqueza (já extraordinariamente elevadas) e a pobreza relativa de muitos americanos.
Os que acreditam que o Estado Social democrático é a melhor tenologia social alguma vez inventada (a única que é capaz de conjugar liberdade, crescimento económico e felicidade), ao verem toda esta força destruidora, têm que ficar preocupados.
É que, olha-se à volta e pergunta-se: quem combate tudo isto? Certamente que não será a Rússia de V. Putin, a China de Xi Jinping, o Reino Unido de Teresa May ou a Alemanha de A. Merkel. Tão pouco a União Europeia que, por um lado é débil, por outro está corrompida. Muito menos as multinacionais ou a Organização Mundial do Comércio.
Resta-nos Bernie Sanders, Jeremy Corbyn e, por cá, a modesta geringonça. É pouco. São muito poucos os que hoje têm voz a defender o Estado Social e uma sociedade decente, respeitadora dos direitos humanos, integradora e preocupada com a equidade e com a sustentabilidade (a O.N.U. pode até falar destes problemas, mas só tem retórica para oferecer, nada de poder executivo).
Como nos poderemos, então, salvar? Certamente, só com o aumento do número daqueles que forem percebendo, pelo mundo fora, que este rumo é em direcção ao caos e à guerra. Que a precarização do trabalho (que a todos vai atingir se não for travada) não é progressista nem inevitável e que o acentuar das clivagens entre os seres humanos só potencia o ódio. E que o crescimento económico só é sustentável se respeitar o ecossistema.
Não existam dúvidas: Trump não traçará novos caminhos, apenas acelerará o processo, já em andamento (com a ajuda dos seus comparsas americanos e mundiais), anti-humanista e radical. E todos aqueles que defendem a desregulação do comércio e dos mercados financeiros, que vêm o ser humano como válido só se servir o mercado, e que se agarraram a argumentos maniqueístas para classificar as pessoas (os emigrantes são maus, os nacionais são bons) terão toda a culpa do mal que nos acontecer, pois são quem tem, neste momento, todo o poder do mundo.