O mal já está feito

Da próxima vez que for a uma entrevista de emprego, bastar-me-á abrir a boca e falar inglês à Mourinho para não ter quaisquer hipóteses de trabalho ou garantia de subsistência

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Toby Melville/Reuters

No Outono de 2013 assisti, estupefacto, a uma campanha em Londres levada a cabo pela então Ministra Theresa May, na qual uma carrinha se entretinha a passear pelas ruas da capital com um gigantesco cartaz onde se lia a seguinte mensagem: “Está no Reino Unido ilegalmente? Vá para casa ou será preso. Contacte-nos através do seguinte número para apoio gratuito e ajuda com a documentação para a viagem.” A campanha foi um verdadeiro sucesso, tendo conseguido repatriar ao todo uma pessoa. Infelizmente, o mal já estava feito. Faltavam três anos para o Brexit.

Mais ou menos pela mesma altura, a então Ministra Theresa May (sim, é a mesma) levava a cabo outra campanha cujo objectivo era impedir o acesso de estrangeiros ao gratuito Serviço Nacional de Saúde inglês, ignorando como a esmagadora maioria dos emigrantes não vêm para o Reino Unido porque querem, mas porque têm de, porque não há trabalho lá na terra de onde são, talvez porque países como o Reino Unido tenham decidido largar umas bombas por aqui e ali e a indústria do armamento precisa de ser alimentada. De igual modo a mesma campanha ignorou o facto de os imigrantes serem por norma mais novos, mais saudáveis, pagando impostos a tempo e horas e contribuindo para o mesmo Sistema Nacional de Saúde tanto ou mais que o típico contribuinte inglês, trolha, com a barba e o nono ano por fazer, a ter de apoiar a sua grande barriga no balcão do pub mais próximo, assim evitando cair para a frente enquanto engole, de um trago só, mais uma pint de cerveja. E ainda agora passa das dez da manhã.

E se tivermos em conta que este que vos escreve já tem seis horas de trabalho em cima às dez da manhã, só mesmo pela ignorância se percebe o impacto das duas campanhas acima descritas na opinião pública inglesa. Porque entretanto, o mal já está feito, e à data ainda faltavam três anos para o Brexit.

A semana passada vieram a lume notícias, prontamente desmentidas, sobre uma lei com o fim de taxar em 1000 libras por ano por trabalhador todas as empresas que contratem profissionais da União Europeia.

Diziam as fontes desta notícia que o dinheiro deste imposto seria futuramente usado para formar os trabalhadores ingleses, desde logo a começar pelo nosso amigo trolha, exemplo clássico de quem não só não pediu para aprender, como não quer aprender, até porque ir para a escola dá muito trabalho e se corrermos com os estrangeiros talvez fiquemos todos a ganhar mais. Mas, formações à parte, a verdade é só uma: enquanto se desmentem e não se desmentem as notícias a arder nas mentes e corações de quem as ouve, o mal já está feito, e da próxima vez que for a uma entrevista de emprego, bastar-me-á abrir a boca e falar inglês à Mourinho para não ter quaisquer hipóteses de trabalho ou garantia de subsistência numa terra que, de há sete anos para cá insiste em fechar-se sobre si mesma, repudiando a sua diversidade e capacidade de integração, frutos de outras árvores e outras eras, quando a Inglaterra era o mais próximo que os Homens tinham de uma Babilónia moderna. A mesma Babilónia à espera de um Deus inclemente para a destruir. O que vale é que Deus não existe, bastam-nos os Homens, a começar pelo meu amigo trolha a olhar de lado para mim, todas as manhãs, à porta do pub, de cigarro na boca e barriga de fora.

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