República Democrática do Congo
No Congo, o povo Bambuti está a desaparecer
Na margem do Lago Kivu, na ilha de Idjwi, uma mulher arranca as ervas daninhas da terra de um empresário de etnia Bahavu. Onde restam agora várias plantas partidas ou deitadas no solo, irá erguer-se um hotel, nesta que é a maior ilha da República Democrática do Congo.
Habimana tem 45 anos e vive com as quatro filhas na aldeia de Kagorwa, que se assemelha mais a um acampamento improvisado. O marido morreu há três anos, vítima de malária. A família faz parte de um dos povos de pigmeus mais antigos do Congo: os Bambuti. Durante milhares de anos, este grupo sobreviveu no meio da floresta, alimentando-se de plantas, aves e macacos que caçavam na ilha. E apesar de terem resistido às consequências das guerras no leste do Congo - que desde 1996 já fizeram milhares de mortos, principalmente devido à fome e doenças - algo conseguiu ser mais devastador para a sua população: o crescimento de uma etnia diferente.
Os Bambuti, assim como outros povos pigmeus da África central, têm sido “empurrados” da sua própria terra para dar lugar a um novo grupo emergente – os Bantu – cuja população corresponde a mais de 95% dos 280 mil habitantes da ilha. No início dos anos 80, a população Bahavu, pertencente ao grupo Bantu, expulsou os Bambuti da floresta para poderem construir quintas e casas para o seu povo. Ao perder o meio de subsistência, os Bambuti perderam também o acesso à educação e o povo começou a desaparecer. "Antes, na floresta, tínhamos tudo o que precisávamos para ter uma vida fácil e feliz: comida, abrigo, medicamentos, roupas", contou Habimana à fotojornalista da Reuters. "Faz parte da nossa natureza viver assim". Agora, Habimana recebe um terço do pagamento que os outros trabalhadores recebem, obrigando-a a fazer e vender peças de cerâmica para conseguir sustentar as quatro filhas. “Já estou habituada”, disse. “Somos tratados abaixo dos outros”.
Na aldeia de Kagorwa, onde cerca de 300 pigmeus foram realojados, a terra é pouco fértil em vegetais ou plantas. A maior parte das crianças está subnutrida, alimentando-se à base de folhas de mandioca fervidas em água, sem sal ou óleo. "Este é o único alimento que temos em quantidade", disse Adele, a chefe da aldeia. “Já não há pássaros, nem cobras, nem macacos”. Os pescadores que partiram em pequenas canoas, no meio do azul brilhante do lago, também não têm sorte. Numa noite, conseguiram apenas apanhar uma mão cheia de peixes.
Para Manguist, um pescador de 24 anos, o estilo de vida dos Bambuti morreu. "A forma como vivíamos antigamente acabou, mas não merecemos esta miséria. Quero deixar a ilha, ir para a cidade, viver numa casa de tijolos e educar os meus filhos", disse. Segundo Charles Livingstone, chefe dos pigmeus da ilha Idjwi, existem mais de sete mil pigmeus realojados em terras que não são próprias para cultivo ou espalhados na costa em acampamentos improvisados na periferia das aldeias. A maioria não sabe ler nem escrever e não tem poder económico para colocar os filhos na escola.
Gervais Rubenga Ntawenderundi, o chefe Bantu do norte da ilha onde vivem os Bambuti, disse à Reuters que não havia "problemas na ilha entre os dois grupos étnicos", acrescentando que “os pigmeus nunca foram expulsos da floresta e sempre viveram assim, perto das aldeias". Outros Bantu acreditam que a discriminação dos pigmeus é um legado do domínio colonial.
A nível nacional, o parlamento do Congo discutiu pela primeira vez uma lei para proteger os direitos dos pigmeus em 2007, mas ainda não votou nenhum projecto de lei. De acordo com Adolphine Byaywuwa Muley, ministra da Agricultura e do Ambiente da província de Kivu do Sul, o facto de os próprios pigmeus alimentarem a ideia de que “os pigmeus não têm o mesmo valor do que os Bantus” ajudou a fomentar a discriminação. "Mas, com a consciencialização", acrescenta a ministra, "os povos indígenas irão compreender que eles têm direitos como todos os outros".