Avaria-se a máquina eléctrica de barbear. Desmonto-a várias vezes. Nada. Chateado de tanto preguiçar, abro a gaveta onde estão os velhos apetrechos para fazer a barba: um cabo alemão da Muhle, umas lâminas japonesas da Feather, um pincel da excelente fábrica portuguesa Semogue, um sabão inglês da Taylor e, como surpresa, uma latinha italiana de creme pré-barbear da Proraso. Faço de conta que me resigno mas secretamente deixo-me animar por este regresso às origens.
Três anos de férias eléctricas parecem-me, de repente, tempo perdido. É o que fazem os regressos à felicidade de onde nunca deveríamos ter saído. Fazer a barba como antigamente pode demorar mais tempo. E, por enquanto, por falta de prática táctil, não dá para ler ao mesmo tempo. Mas não se dá pela diferença. Porque estamos a divertirmo-nos. Porque estamos a luxuriar.
A barba fica bem feita, a cara fica lisinha e a pele canta de tão bem tratada. Os golpes e as borbulhinhas, compreende-se logo, são imaginários. Fazem parte da propaganda das máquinas modernas que vão precisando de um número cada vez maior de lâminas para mal se aproximarem do que faz uma única lâmina decente.
Esses cartuchos, para mais, são caríssimos. As melhores lâminas do mundo, em contrapartida, são tão baratas que se pode usar uma nova todos os dias: um luxo que, tal como a água quente, recompensa quem se lembra dele…
Quantos dos comodismos com que pensamos reduzir as obrigatoriedades da vida quotidiana acabam por ser sacrifícios que fazem falta? Pelo menos um.
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