“O jornalismo de investigação compensa em termos económicos”

Michael Rezendes, o jornalista da equipa do Boston Globe que inspirou o filme Spotlight, diz que o número de assinantes do seu jornal aumenta após a publicação de artigos de investigação.

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Rezendes foi um dos oradores convidados do Congresso de Jornalistas Portugueses Nuno Santos
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Rezendes foi um dos oradores convidados do Congresso de Jornalistas Portugueses Nuno Santos

Quando no jornal norte-americano Boston Globe se tornou possível medir a popularidade que um determinado artigo estava a ter na Internet, em tempo real, o jornalista de investigação, Michael Rezendes, confessa que ficou “muito, muito preocupado". "Eu estava cheio de medo”, disse na conferência inaugural do 4.º Congresso dos Jornalistas, que começou esta quinta-feira e termina no domingo.

Em 2001, a Internet estava ainda no seu início, quando o grupo de jornalistas de investigação, do qual faz parte a chamada equipa Spotlight, revelou um enorme escândalo denunciando casos de abusos sexuais de crianças que envolviam 70 padres católicos da arquidiocese de Boston. Este caso mediático veio, em 2015, a dar origem ao bem-sucedido filme de Hollywood Spotlightque viria a ganhar dois Óscares.

Nos tempos em que a história foi publicada no Boston Globe, não existiam formas tão sofisticadas de medir o “sucesso” que um artigo estava a ter, de saber exactamente o número de leitores que estavam a ler um artigo jornalístico num determinado momento e de saber exactamente quanto tempo lá ficavam dentro. Agora, essas ferramentas existem no jornal, e o que os números vieram revelar é que, para “deleite” de Michael Rezendes, os leitores do Boston Globe queriam ler as histórias de jornalismo investigativo e que, logo a seguir à sua publicação, o número de assinantes do jornal aumentava. “Os leitores adoravam as histórias Spotlight e ficavam muito tempo a lê-las.”

"Os números vieram ajudar”

Ora, em tempo de descida de receitas de publicidade, o aumento do número de leitores que aceitam pagar por jornalismo era uma óptima notícia para os editores e administradores do jornal. O que os números vieram fazer foi dar, dentro deste jornal norte-americano, um novo ímpeto e legitimidade, também financeira, a este tipo de jornalismo, que exige tempo e dinheiro. “O que as métricas revelavam é que o jornalismo de investigação compensa, que faz sentido em termos económicos. Os números vieram ajudar”, disse o jornalista perante uma sala cheia de jornalistas portugueses. “Spotlight tornou-se numa marca.”

A imprensa é neste momento um sector em crise. O advento da Internet veio permitir aos jornais que só circulavam em papel chegarem a muito mais pessoas mas, ao mesmo tempo, mergulhou muitos jornais numa profunda crise. Títulos de todo o mundo tiveram de fazer grandes cortes nas redacções e o tipo de jornalismo que demora tempo e consome dinheiro ficou sob ameaça. 

Michael Rezendes ressalva que o Boston Globe não ficou imune à crise. Desde a publicação da história, que lhe valeu um prémio Pulitzer por serviço público, a redacção mirrou para metade, mas a administração continuou a apostar na equipa Spotlight que duplicou o seu número de jornalistas. Em 2001 eram quatro, agora são oito, mas dois deles são financiados por bolsas dadas pela mesma produtora com fins filantrópicos que financiou o filme Spotlight, a Participant Media.

Vantagem: ter mais jornalistas

Respondendo a uma pergunta de uma jornalista da plateia, Michael Rezendes admitiu que os membros da equipa de investigação chegaram a ser vistos pela restante redacção com alguma desconfiança, uma vez que se podiam dar ao luxo de levar meses a investigar uma história, enquanto os restantes profissionais se viam obrigados a produzir uma história por dia. Esse sentimento dissipou-se a partir do momento em que se percebeu que estas histórias não eram apenas importantes “por razões morais". "Há apetite pelo que nós fazemos. Há uma luta pela sobrevivência dos jornais. Todos os jornalistas querem que o jornal tenha histórias populares, todos nós queremos manter os nossos empregos".

Mas o Boston Globe tornou-se num caso à parte. Se em 2001 os seus jornalistas sentiam a concorrência de outras publicações, e tinham de ter isso em linha de conta nos seus timings de publicação, hoje em dia sabem que, mesmo que um jornal concorrente tenha acesso à mesma pista para uma história, o mais certo é que não tenha jornalistas em número suficiente para a investigar. Aí, o Boston Globe está em vantagem.

O que os números do jornalismo escrito na era digital também vêm dizer é que, de facto, o consumidor de jornalismo têm apetência por “notícias curtas, rápidas, breaking news”, refere Rezendes. Mas os leitores também querem artigos longos, querem sejam jornalismo de investigação ou “histórias longas, poderosas, com pessoas”, sublinha. Na era da Internet o curto convive bem com o longo.

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