Factos, suposições e erros: o que se sabe sobre o relatório
Documento explosivo assenta em trabalho de pesquisa eleitoral.
A notícia sobre a existência de uma adenda incluída num relatório dos serviços secretos dos Estados Unidos a alertar para a existência de informação comprometedora sobre o Presidente eleito, Donald Trump, na posse dos serviços de informação russos, foi avançada pela CNN com todas as cautelas possíveis sobre a impossibilidade de verificar de forma independente o seu conteúdo.
Apesar de todas as ressalvas sobre a “inverificabilidade” de muitas das alegações — atribuídas a fontes classificadas como “sensíveis”, mas “fiáveis” e “credíveis” —, a CNN afirma que as autoridades norte-americanas confiam na veracidade da informação recebida e estão a tratar o assunto como sério e importante — de tal maneira que acrescentaram o anexo de três páginas ao relatório confidencial de 35 páginas sobre os ataques informáticos, submetido ao Congresso (e apresentado ao Presidente Barack Obama e a Donald Trump na passada sexta-feira).
Para que se entenda, os indícios que constam nesse anexo não resultam do trabalho dos serviços norte-americanos. Trata-se de informação que resulta do trabalho de um consultor credenciado por uma das muitas empresas de Washington especializadas em pesquisas políticas: são investigações destinadas a reunir informação que permita perceber qual é a viabilidade de uma determinada candidatura ou que sirva para atacar ou defender um determinado concorrente às eleições.
Essa empresa foi contratada por um grupo do Partido Republicano que se opunha a Donald Trump (e que rescindiu contrato quando o magnata venceu a nomeação para a Casa Branca) e por um grupo ligado ao Partido Democrata, que entre outras coisas estavam interessados em informação sobre as ligações do candidato à Rússia — o que levou à entrada em cena do consultor que agora se sabe é um antigo agente dos serviços secretos britânicos que também já colaborou com as agências de espionagem dos EUA.
Foram esses memorandos que chegaram à posse do FBI e justificaram a adenda ao relatório dos serviços secretos apresentado na semana passada. A leitura do documento sugere que as actividades de espionagem do regime russo não abrangeram apenas a candidatura da democrata Hillary Clinton. Moscovo também tinha na sua posse informação “pessoal e financeira” sobre o concorrente do Partido Republicano, Donald Trump, que assim se tornava um potencial alvo de chantagem ou manipulação por parte de Putin.
Nos seus memorandos, o ex-espião escreveu que Moscovo andava há pelo menos cinco anos a construir um relacionamento privilegiado com Donald Trump. O regime armazenara informação comprometedora sobre festas sexuais do milionário, relatadas nos memorandos. Mas, pior ainda, as fontes do britânico no aparelho de segurança russo deram conta de uma “conspiração” entre a equipa de Trump e o regime russo: alegações de comunicações secretas e troca de informação, através de vários intermediários.
Várias situações descritas assentam em depoimentos de fontes que são descritas por letras do abecedário. Como notava o Financial Times, “o dossier recorre a fontes anónimas do Governo russo que são protegidas para poderem reportar as actividades secretas do Kremlin”, o que explica a dificuldade das empresas jornalísticas (que há semanas tiveram acesso ao relatório) em confirmar ou desmentir a informação.
Os analistas concordam que será impossível corroborar muitos dos depoimentos. Mas há dados específicos, nomeadamente os que dizem respeito às movimentações dos indivíduos ligados ao universo Trump e ao aparelho de Estado russo (viagens, estadias), que podem ser confirmados até por organizações não especializadas em espionagem. Foi por aí que apareceram as primeiras brechas: um dos conselheiros de Trump, Michael Cohen, jurou nunca ter ido viajado para Praga para encontrar agentes russos, como alegava o relatório, e ofereceu provas de como se encontrava nos EUA nas datas em questão.