"Direito a desligar" vai chegar à Assembleia ainda nesta sessão legislativa
BE vai apresentar uma proposta sobre o tema em breve e PCP rejeita abrir “brechas na lei” que permitam a desregulamentação. CDS está mais perto do Governo, ao defender que a discussão deve acontecer em sede de concertação social.
O Bloco de Esquerda é o partido que está mais isolado na questão do “direito a desligar”, que passou a ser consagrado na lei francesa no início do ano, mas isso não o impedirá de apresentar, na Assembleia da República, uma iniciativa sobre o que considera ser uma invasão do tempo de descanso, através do prolongamento do período de trabalho por via de dispositivos tecnológicos.
Ao PÚBLICO, o deputado José Soeiro explicou que “o Bloco tem acompanhado com interesse o debate feito em França, na Alemanha e até em Espanha, e terá intervenção legislativa sobre esta matéria”. Apesar de a reflexão já ter começado no interior do partido, ainda não há um projecto de lei delineado. Mas ele aparecerá ainda nesta sessão legislativa e não chega dizer que o assunto deve ser tratado entre trabalhadores e empresas, no âmbito da negociação colectiva, como fez o Governo em declarações ao PÚBLICO, na sexta-feira.
“Sugerir que bastaria apelar aos parceiros para debaterem o assunto é uma demissão. Não pôr nada na lei funciona como um convite a que seja a parte mais forte a ditar as regras”, defende José Soeiro. “O BE entende que deve haver intervenção legislativa para definir patamares mínimos, o que não quer dizer que não possa haver ajustes adequados a necessidades concretas. E devem ser previstas sanções”, explica o bloquista, para quem é hoje claro que existe uma desregulação dos horários de trabalho e um desrespeito do direito ao descanso.
“A aprovação da lei francesa, independentemente das limitações que tem, abriu o debate em Portugal. É preciso apresentar soluções e iniciativas. Queremos que a nossa proposta seja um ponto de partida para que possa haver um debate sério”, conclui Soeiro.
O PCP não tenciona apresentar nenhuma iniciativa legislativa sobre a questão do uso das novas tecnologias fora do horário de trabalho porque entende que “a lei já é hoje clara sobre a delimitação do que são os tempos de trabalho”, defendeu ao PÚBLICO a deputada Rita Rato. Colocar na lei exemplos de casos concretos pode abrir “brechas” que levem, em termos jurídicos e no caso de recurso aos tribunais pelos empregadores, a que se “abra um vasto campo de interpretações” que acabem por ser desfavoráveis aos trabalhadores.
“Não queremos que se encontrem pretextos para legitimar na lei abusos que hoje o Código do Trabalho não permite. Se há um horário de trabalho, o que é preciso é que ele seja escrupulosamente cumprido”, acrescenta a deputada.
O PCP tem propostas no Parlamento para rever disposições laborais introduzidas pelo anterior Governo, como a revogação do banco de horas individual, a questão das adaptabilidades, o princípio do tratamento mais favorável do trabalhador, e até correcções ao horário de trabalho, mas rejeita outras mexidas. Na verdade, argumenta Rita Rato, com os avanços tecnológicos, o que se devia estar a discutir era a “forma de os usar para reduzir o horário de trabalho” e não permitir o contrário.
CDS atira para a concertação social
Para a líder do CDS-PP também é importante que as novas formas de organização de trabalho e o equilíbrio no uso das novas tecnologias sejam discutidos. “Em muitos casos é vantajoso para as pessoas estarem ligadas, sem ser em excesso e sem se tornar uma escravatura, que eu condeno”, assumiu ao PÚBLICO Assunção Cristas, remetendo a questão para a concertação social e os acordos de empresas.
A bancada centrista já apresentou em 2016, no âmbito do pacote da natalidade, uma proposta para o Governo regulamentar o teletrabalho, mas foi chumbada pela maioria de esquerda. Agora, a proposta será retomada já que o partido tem um grupo de trabalho dedicado a estudar a organização do trabalho ao longo da vida.
“Se regulamentarmos o teletrabalho já estamos a contribuir positivamente para esta matéria”, afirmou, considerando que os grandes princípios como o respeito pelo horário de trabalho e os tempos de repouso já estão vertidos na lei. A questão do uso das novas tecnologias “não pode ser vista na lógica de apenas bloquear [as novas tecnologias] mas tem de ser vista sector a sector", defendeu Cristas. "É por isso que é importante a concertação social."