O último hurrah de Kusturica
É uma óptima surpresa Na Via Láctea: a gravidade da “auto-consciência”, encenada num tom que tem mais a ver com um “último hurrah” do que com um exercício de auto-plágio.
De facto, quem diria que Kusturica ainda tinha semelhante reserva de energia, ou que ainda restava algures uma porção daquela energia muito balcânica, alimentada a orquestras de metais “turbo folk”, para uma última farsa a cruzar a história ex-jugoslava e o folclore rural da região.
Há uma noiva italiana (Monica Bellucci) que parece importada de algum “Arroz Amargo” (e quase tão “capitosa” como a Silvana Mangano desse filme) mas depois, para o resto, quase tudo é reencontro: com Kusturica (dos dois lados da câmara, como que para “marcar” bem o filme), com certos actores constituintes do “universo Kusturica” (como o grande Miki Manojlovic), com a quinta toda (volta também o “bestiário” de Kusturica), com a xaranga que põe tudo a rodopiar.
A farsa é mais melancólica, ou a melancolia é mais farsante, por certo porque este é um filme que reflecte o seu tempo (quer o tempo da obra do realizador, quer o tempo presente de um país que em vinte anos se multiplicou por vários), e porque já nada pode haver aqui de “virginal” (apesar da noiva). Mas isso traz uma gravidade ao filme, a gravidade da “auto-consciência”, encenada num tom que tem mais a ver com um “último hurrah” do que com um exercício de auto-plágio. É uma óptima surpresa.