A Disney ajudou à criação do mito dos lemingues suicidas
Ainda que o filme da Disney de 1958 sugira o contrário, os lemingues não têm tendências suicidas.
Em 1958 estreava o documentário White Wilderness, uma produção da Walt Disney, no qual se podia observar um grupo de lemingues a cair de um penhasco, como se se tratasse de um suicídio colectivo. Uma investigação de um produtor da Canadian Broadcasting Corporation (CBC) veio provar que foi tudo falsificado e que o alegado mito pode ser explicado pela biologia.
O documentário, que em 1959 ganhou o Óscar para o melhor documentário de longa-metragem, foi rodado no Canadá e realizado por James Algar. Nesse filme, há uma cena que ficou na memória colectiva de todos os que o viram: o momento em que um grupo de lemingues parece cair, de forma deliberada, de um penhasco, directamente para o Oceano Árctico. Nesse momento, o narrador diz que a intenção deles seria nadar até conseguirem alcançar o horizonte, mas que iam afogar-se antes, devido à exaustão, dando a ideia de que na verdade, esta seria uma "operação" suicida.
Como escreve o biólogo Óscar Cusó no El País, trata-se de um filme que na altura foi classificado como documentário mas que tem mais de ficção do que de realidade. Uma investigação de 1983 do produtor da CBC Brain Vallee, faz crer que a cena não é real e que não passa tudo de uma grande montagem. Para provar a sua tese, Vallee conseguiu perceber que a zona onde foi gravada a sequência do documentário nem sequer é um habitat natural dos lemingues. A cena foi filmada junto ao rio Bow, perto de Calgary, na zona interior do Canadá, longe do Árctico, onde esta espécie costuma ser encontrada.
A cena foi filmada com recurso a plataformas giratórias, planos fechados e alguma neve para simular um suicídio em massa desta espécie de roedores num desfiladeiro. Em algumas partes, pode ver-se que alguns hesitam antes de cair e que outros tentam recuar. É que na verdade, não estavam a agir por vontade própria: estavam a ser encurralados e atirados, deliberadamente, à água, defende o produtor canadiano.
Mas o mito que sugere que os lemingues são uma espécie propensa ao perigo não começou aqui. Cusó – que escreve uma coluna sobre natureza no espanhol El País – lembra o geógrafo do século XVI, Ziegler de Estrasburgo que acreditava que os lemingues caiam dos céus com as tempestades e que morriam de forma súbita na Primavera, com o crescimento das primeiras plantas. Já a Enciclopédia Infantil de Arthur Mee, de 1908 afirma que “envenenam a água e provocam febre tifóide” durante as suas travessias aquáticas, cita o diário espanhol.
Estas hipóteses são falsas. O que acontece é explicado pela biologia. Os lemingues reproduzem-se rapidamente e em quantidade. Quantos mais forem, mais escassos se tornarão os recursos. É natural que, perante a escassez de alimentos, alguns optem por mudar de localização. Biologicamente, têm a capacidade de cruzar lagos e pequenos rios a nado, mas há a hipótese de morrerem afogados ou por hipotermia.
Os predadores também são um factor a ter em conta. As doninhas, raposas e corujas refastelam-se com a chegada dos lemingues. A nivelação é feita de forma quase automática: se nascem muitos animais desta espécie, é natural que também morram muitos. Mas não se pode dizer que seja uma tentativa de suicídio premeditada: trata-se apenas do instinto de sobrevivência.
Ainda que o mito seja falso, a verdade é que está disseminado em filmes, canções e videojogos, que perpetuam a ideia de que os lemingues são animais pouco preocupados com as consequências dos seus actos.