“Raízes da pobreza na CPLP estão nas prioridades das elites”
Representante em Portugal da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação diz que sem mudanças nas políticas dos países da CPLP não serão concretizadas as expectativas criadas pela constituição desta comunidade^.
Pode existir maior democratização das trocas alimentares entre os países da CPLP?
Pode. Mas em primeiro lugar teríamos que conhecer mais em detalhe essas trocas. Sabemos que são importantes, mas não sabemos quantificá-las.
Uma coisa interessante na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) é que as raízes da pobreza e da fome na CPLP estão historicamente ligadas às prioridades de intercâmbio e relacionamento económico entre as elites destes países — se não reconhecermos isso e mudarmos a trajectória não concretizaremos as expectativas criadas com a constituição da CPLP. As situações hoje de exclusão, pobreza, segurança alimentar e nutricional na CPLP têm as suas raízes na forma como todos estes países se inseriram no mercado mundial. Foi o condicionamento da evolução social e económica de alguns países, e de alguns grupos nesses países em subordinação a outros, que determinou um conjunto de relações que fez com que hoje tivéssemos grupos vulneráveis à fome em Portugal, no Brasil, em África.
Qual é a relação da escravatura com essa realidade?
Os milhões de escravos angolanos que foram para o Brasil — e produziram a riqueza da agricultura brasileira do açúcar, café, cacau — deixaram, do lado angolano, um vazio demográfico durante mais de 300 anos e provocaram o não-surgimento de uma classe de agricultores familiares em Angola. Todos os demais países foram subordinados a esta teia de relações económicas engendradas naquilo que foi o berço da CPLP.
Criou relações desiguais.
Foi Angola que susteve a construção desta ‘brincadeira’ através dos escravos que enviou. Havia uma ausência de agricultores consolidados. Quem era o agricultor que permanecia na área rural se a qualquer momento podia ser capturado como escravo?