Marcelo e Passos, um almoço de tréguas de Ano Novo?

Presidente da República convidou líder do PSD depois de ter recebido Cristas, Jerónimo, Costa e Catarina. Uma questão de equilíbrio de relações institucionais ou uma tentativa de apaziguar relações tensas?

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O almoço entre Passos e Marcelo estava marcado para as 13h Enric-Vives Rubio

Não durou sequer duas horas o almoço a sós entre o Presidente da República e o presidente do PSD. O encontro, que foi precedido de uma reunião na sala de audiências do Palácio de Belém com direito a captação de imagens, aconteceu a convite de Marcelo Rebelo de Sousa e soou a tréguas políticas de Ano Novo.

Passos Coelho chegou a pé, subindo a rampa de acesso ao palácio presidencial, pouco antes das 13 horas, e saiu cerca das 14h45. Da ementa da conversa e do almoço nada se sabe, e o facto de terem estado a sós, como já aconteceu no último encontro – a 21 de Outubro, na ronda de conversas sobre o Orçamento do Estado para 2017 – é garantia de que não haverá fugas de informação, a não ser que algum dos dois o pretenda.

Uma fonte próxima de Marcelo Rebelo de Sousa desdramatiza as intenções do convite, enquadrando-o antes na procura de equilíbrio do Presidente nas relações com todos os partidos com assento parlamentar. Nas duas últimas semanas, o chefe de Estado recebeu em Belém os restantes líderes: na semana passada, recebeu a líder do CDS-PP, Assunção Cristas, a pedido desta para apresentação de Boas Festas. Antes, tinha recebido Jerónimo de Sousa, que lhe foi apresentar as conclusões do Congresso do PCP e também Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, passou discretamente por Belém. Já António Costa é uma visita constante, graças às reuniões semanais e aos contactos frequentes que mantém com o Presidente. Ao contrário do que acontece com Passos Coelho, com quem mantém relações frias e institucionais.

Quando o encontro foi noticiado pelo Expresso, na véspera de Natal, foi enquadrado no “clima de guerrilha que se vive no PSD, com Passos Coelho debaixo de fogo dos que querem acelerar a sua queda”. O semanário escrevia então que “Marcelo acha um erro o partido estar a discutir o comando da oposição nesta altura e está empenhado em ajudar a evitar que o PSD discuta rupturas no actual xadrez político antes do fim da legislatura”.

Mas ao convite não será alheio o próprio ambiente das relações entre os dois protagonistas social-democratas. Marcelo e Passos Coelho têm um longo historial de conflitos mais ou menos abertos desde há duas décadas, quando o primeiro foi eleito presidente do PSD e o segundo, então líder da JSD e um dos principais impulsionadores da candidatura de Marcelo à liderança, ficava fora da direcção do partido.

20 anos depois, a candidatura do professor de Direito e comentador politico à Presidência da República avançou sem a bênção de Passos Coelho, então líder do PSD e primeiro-ministro. A forma como a moção de Passos ao congresso de 2014 se referia ao candidato presidencial - “mais como um árbitro ou moderador, evitando tornar-se numa espécie de protagonista catalizador de qualquer conjunto de contrapoderes ou num catavento de opiniões erráticas em função da mera mediatização gerada em torno do fenómeno político” – foi interpretada como um “chega-pra-lá” a Marcelo, que no dia seguinte disse que “a questão estava resolvida”. Mas não estava, como o tempo mostrou.

Nem é preciso recordar como Marcelo sempre fez o seu caminho para Belém à revelia das intenções do líder do PSD, que preferia Rui Rio, para mostrar como as relações entre os dois continuam tensas. Basta lembrar a troca de "flores do último episódio desta atribulada relação. A 5 de Dezembro, Passos disse que "ainda bem que [Marcelo] não é o líder do PSD" e este respondeu que "o PSD está bem entregue e o país também".

Certo é que o Presidente da República tem dado sinais contraditórios sobre a manutenção de Passos Coelho como líder do PSD. Primeiro, foi a afirmação que o actual ciclo político vai até às autárquicas de 2017. Depois, os elogios rasgados a Luís Montenegro, visto como possível sucessor de Passos Coelho, a quem anteviu “muitos sucessos políticos” nos próximos tempos. Em Outubro, os apelos repetidos a que a oposição se apresente com “clareza de alternativa de governo”. E em Novembro, a declaração de que “tudo tem feito para que se mantenha a estabilidade que é desejável, na área do Governo como na área da oposição, no plano dos partidos como no plano das suas lideranças”. 

Deste almoço de Ano Novo fica, para já, apenas a fotografia. Só 2017 mostrará se a desconfiança latente entre os dois ficou para trás na história.

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