Vinte anos depois Alex Fx volta a ligar-se às máquinas com paixão
Há vinte anos era um dos músicos electrónicos mais estimulantes do país. Depois saiu de cena, regressando agora com o segundo álbum, ao mesmo tempo que foi contactando com referências como Alan Wilder (Recoil) ou David J. (Bauhaus). Esta é a segunda vida de Alex Fx.
Na segunda metade dos anos 1990 era um dos músicos e produtores mais estimulantes da música electrónica feita em Portugal. Alexandre Fernandes, ou seja Alex Fx, lançou nessa altura vários máxi-singles e o álbum Underdub: a soundtrack by Alex Fx (1997), onde tanto se mostrava à vontade em abordagens dançantes como na criação de momentos mais climáticos ou mesmo experimentais. Vinte anos depois regressa com Echomental 1, obra excelente, povoada por electrónica sombria mas musical, intensa mas com espaço, mental mas de clarões emocionais.
Volta com paixão. Sente-se isso na música, densa, pulsante, personalizada, padrões rítmicos repetitivos e texturas negras dissolvendo-se por entre efeitos digitalizados. E percebe-se isso também na forma como fala da música. A última vez que o havíamos entrevistado foi em Janeiro de 1998. Há muito tempo. “Mas se pensar bem nunca parei realmente ao longo destes anos”, começa por dizer. “Na verdade fui desenvolvendo trabalho de produção para outros, compondo bandas-sonoras para curtas e médias metragens, ou tendo participações como musico convidado.”
Para além da aventura Alex Fx, integrou também os Mute Life Department ou Mr. Spock, ao mesmo tempo que se dedicou a inúmeras remisturas (Da Weasel, Mão Morta, Belle Chase Hotel, Coldfinger ou Hipnótica são exemplos) e produziu um dos álbuns dos Repórter Estrábico. Esteve também anos ligado à área da formação musical, uma experiência que diz ter sido determinante para si, ao mesmo tempo que ia encetando outras actividades – hoje em dia é especialista de produto e formador da Apple.
A feitura de um novo álbum esteve sempre no seu horizonte mas os anos foram passando. O volte-face foi motivado pelas contingências da vida. “Há uns anos a empresa de formação onde trabalhei muitos anos mudou de gerência e resolveram dispensar os meus serviços pelo que, durante dois anos, estive no desemprego”, lembra. O próprio admite que não foi uma situação fácil, porque foi sempre um profissional exemplar, mas em vez do ressentimento imperou o desejo de se virar para a criatividade.
“De repente vi-me com tempo disponível e investi-o a fazer música. Voltei a ligar-me às máquinas, por assim dizer, para fazer uma coisa de raiz que fosse minha. E foi aí que tudo começou. Ao mesmo tempo que ia gerando o álbum fui pensando de imediato em como apresenta-lo ao vivo, porque desejava que o projecto contivesse uma dimensão conceitual, estando prevista a exibição de um filme que eu e dois jovens realizadores fizemos.”
Se existiu algo que mudou em vinte anos é a forma como a música é feita, ouvida, consumida, comunicada ou distribuída. A internet e a tecnologia introduziram inúmeras mudanças e Alex vive-as com energia. “Quando olho para trás e penso em toda a tecnologia que utilizei na feitura do primeiro álbum quase que me dá vontade de rir”, recorda ele. “Neste disco a ferramenta de trabalho foi um computador portátil e pouco mais.”
Mas não foram apenas as condições de feitura da música que se transformaram. A forma como se comunica também. No presente álbum o texto da capa pertence ao inglês Alan Wilder (fundador e membro dos Depeche Mode até meio dos anos 1990, antes de se dedicar aos Recoil) e existem participações vocais de David J. Haskins (o baixista dos Bauhaus e Love & Rockets) e da americana Rhianna Faye. Tudo gente que conheceu em carne-e-osso mas com quem estabeleceu relação via skype ou email.
“Há vinte anos seria impensável ter conseguido participações de alguns dos meus heróis. Agora até parece fácil”, afirma ele por entre sorrisos. “Conheci o Alan quando ele esteve cá na Guimarães Capital da Cultura 2012 a apresentar o projecto Recoil. Na altura foi-lhe preparada uma surpresa, através de uma versões de coisas dele, na qual colaborou a americana Rhianna Faye, e aquilo correu tão bem que a desafiei a trabalharmos no futuro. Uma outra amiga, a inglesa Kellie Andrews, escreveu uma letra e o processo de gravação da voz foi através da internet, captando a voz da Faye como se ela estivesse apenas a ler.”
Daí haveria de nascer o tema Red/black, single de antecipação do álbum, com a voz sedutora e expressiva de Faye por entre circunferências digitalizadas, resultando daí uma electrónica sonhadora e evocadora. Já o inglês David J. empresta a sua voz a Locust swarm, com o ritmo electrónico minimalista e as texturas cerradas, envolvendo uma voz enigmática. Conheceram-se no Porto, quando David J. ali actuou a solo e lançou um livro. “Foi nessa altura que o desafiei a fazer uma coisa meio spoken-word com electrónica em fundo e ele aceitou de imediato.”
Não foi possível gravarem no Porto, mas quando chegou aos Estados Unidos, David J., enviou-lhe um email a dizer que havia passado o dia a ler sobre gafanhotos – era esse o lema evocador do tema – e que iria dormir sobre o assunto, registando ao acordar as primeiras frases que lhe surgissem. “Dito e feito. Umas horas depois tinha a gravação da sua voz. Disse-me que acordou, ligou o iPhone, e gravou as primeiras palavras que lhe vieram à cabeça, tendo em atenção o que havia lido na véspera. E uma pessoa pensa: há um mês estive a tomar copos com um dos meus ícones, excelente músico, um cavalheiro, e agora cede, assim, na boa, a sua voz.”
Alan Wilder também foi desafiado a participar mas tal não foi possível. “Mas prontificou-se a escrever um pequeno texto o que me deixou satisfeito porque é uma das minhas maiores influências desde os tempos dos Depeche Mode em que ele, na minha opinião, era o cérebro. Ele esteve cá quatro dias e a sensação com que fiquei é que conheci um ídolo e despedi-me de um amigo. Liga-me no aniversário e envia-me emails a perguntar como estão as coisas, interessando-se por ouvir o que faço. Isto é inacreditável! Nesse sentido em vinte anos aconteceram coisas incríveis.”
Outra novidade é o facto de ter avançado para a formação de uma editora própria, a Echomental Arts Limited, também consequência dos novos tempos. “Posso lançar o que quero, como quero, coordenar a parte gráfica e a comunicação, sem prazos urgentes a cumprir. Não me iria enquadrar em nenhum dos padrões vigentes na indústria da música actual, portanto fiz como tantos outros: criei o meu próprio padrão.”
Para já o novo disco sai em formato digital. Quando o segundo volume for lançado em 2017 – coincidido com a previsível reedição de Underdub, quando se assinalarem os 20 anos da sua edição – haverá uma edição em CD, contendo os dois volumes, com um livreto. “Neste volume existem sete temas instrumentais e três vocais e no segundo será ao contrário, com os temas com voz a dominarem”, esclarece. “Onde este é um pouco mais obscuro, o próximo conterá mais claridade, ao nível das texturas.”
Quem conhece o seu trabalho do passado reconhecerá com facilidade algumas características que se mantêm: as atmosferas obscurecidas, os motivos rítmicos repetitivos, o encadeamento por vezes hipnótico, uma atenção minuciosa aos detalhes e um grande domínio sobre os materiais que utiliza. “Fico satisfeito que esses traços sejam reconhecíveis porque fazem parte da minha assinatura sónica”, diz. “Existem produtores como Timbaland que, independentemente da sua abordagem estilística, mantém o seu toque reconhecível. É como reconhecer o traço de um pintor, ou a textura de um fotógrafo ou os planos de um realizador. É identificativo. Não me importo depois destes anos de manter alguns atributos intactos. Pode haver quem ache que não estou a inovar. Que se dane! Se conseguir expressar o que quero sei que serei sempre eu e apenas eu.”
Percebe-se que Alex está a viver uma boa fase. Depois de um contexto difícil redescobriu-se criativamente, a sua sonoridade é actual e vislumbra-se uma maturidade estética inequívoca. Não espanta que as novas gerações electrónicas portuguesas o olhem com respeito. Uma consideração que ele devolve de bom grado, tendo convidado uma série de nomes (Tiago Fragateiro, Mr Herbert Quain, Kaspar ou Switchdance) a recriar temas do álbum, reconhecendo-se na actividade de muita gente mais nova. “Quando vejo o Bruno Deodato (Trikk) a editar por uma editora como a Innervisions, como irá a acontecer com o Marco Antão (Switchdance), ou a actividade do Marco Rodrigues e muitos outros, só posso ficar feliz. Há muito boa música a ser feita por aí neste momento.”
O longo período em que deu formação e foi conhecendo gente mais nova e a actuação o ano passado no Boiler Room, através do convite da Red Bull Music Academy, foram determinantes nesse retomar de contactos. Há dias recebeu um email elogioso do histórico DJ e músico francês Laurent Garnier e a 14 de Janeiro irá apresentar o seu álbum no Hard-Club do Porto, antes de Garnier entrar em acção. “Ele é mais alguém que admiro, por isso só posso olhar para o que me está a acontecer e pensar: a partir de agora até pode ser sempre em linha descendente, porque o que está a suceder é muito mais do que eu imaginava. Estou mesmo feliz!”