O que vai marcar 2017: da visita do Papa ao debate da eutanásia
Educação, justiça, saúde, acção social... Que medidas e debates vão marcar o ano na sociedade portuguesa? Uma coisa é certa: durante muitos meses, a visita do Papa marcará muitas conversas.
Será o ano da vinda do Papa Francisco para o centenário das aparições de Fátima, o ano da reabertura de uma vintena de tribunais e o ano que inaugura uma nova prestação social — para quem tem deficiência. Em 2017 as mulheres solteiras terão acesso à Procriação Medicamente Assistida. E a discussão, dentro e fora do Parlamento, sobre a eutanásia vai prosseguir. Mas não só: outras discussões públicas darão que falar. Destacamos duas, na área da Educação: as mudanças nos currículos escolares e a reforma no regime de acesso ensino superior.
Parlamento vai debater a eutanásia
A despenalização da morte assistida (onde se inclui a eutanásia e o suicídio assistido) deverá ser discutida no plenário da Assembleia da República no primeiro trimestre de 2017. O debate girará em torno de uma petição popular assinada por mais de oito mil pessoas. Na sequência da iniciativa, o Bloco de Esquerda e o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) irão apresentar propostas legislativas próprias, no sentido da legalização destas práticas.
A petição foi uma das iniciativas do movimento Direito a morrer com dignidade. A sua fundadora, a professora universitária Laura Ferreira Santos, morreu a 16 de Dezembro deste ano, com cancro. Entre os subscritores da petição estiveram os deputados bloquistas José Manuel Pureza e Mariana Mortágua assim como a ex-ministra da Justiça social-democrata Paula Teixeira da Cruz, José Pacheco Pereira, a deputada socialista Isabel Moreira, entre várias personalidades, como o cientista Sobrinho Simões e o escritor Miguel Esteves Cardoso.
O projecto legislativo do BE, que deverá ser apresentado no primeiro trimestre do ano, ainda está a ser trabalhado, mas deverá incluir a definição de critérios para as situações em que a morte assistida deixaria de ser penalizada, nas suas duas modalidades — ser o próprio doente a auto-administrar o fármaco letal (suicídio medicamente assistido) ou este ser administrado por outrem (eutanásia). É também certo que de fora vão ficar as crianças e as pessoas com problemas de saúde mental.
Na sequência da petição foram realizadas audições de várias figuras com pensamentos distintos sobre a questão. O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, por exemplo, sublinhou os riscos que este tipo de legislação trouxe noutros países, nomeadamente a prescrição de substâncias letais a doentes com depressão, o risco de bullying sobre pessoas vulneráveis (pela idade ou estrato económico). Já personalidades como os professores universitários de Direito Teresa Pizarro Beleza e José de Faria Costa defenderam que a despenalização é a resposta mais adequada, desde que se cumpram requisitos legais imperativos (pedido livre, actual e reiterado, feito por pessoa adulta em situação terminal e evidenciando um sofrimento insuportável e irreversível). Catarina Gomes
Currículos escolares vão “emagrecer”
O Ministério da Educação prefere não utilizar a palavra “revisão” para se referir à alteração dos currículos do ensino básico e secundário que está a ser preparada. Fala antes de “flexibilização” ou “emagrecimento” por oposição à “obesidade curricular” que diz marcar os actuais programas. Por ter deixado cair o termo “revisão” também não considerou obrigatória a participação das sociedades científicas neste processo, privilegiando quem “está no terreno”, ou seja, as associações de professores. Seja qual for o nome do que está a ser avaliado, sabe-se que a partir do próximo ano lectivo as escolas vão ter mais peso na definição da oferta das disciplinas aos seus alunos e também que os programas, que a maioria diz serem demasiado extensos, serão expurgados, com o objectivo, segundo o ministério, de seleccionar “as aprendizagens essenciais para todos os alunos em cada ano”. Clara Viana
Vão reabrir 20 tribunais
A ministra da Justiça, Francisca van Dunem, vai conseguir reabrir no prazo anunciado, a 4 de Janeiro, os 20 tribunais encerrados pelo governo anterior (PSD/CDS-PP) em 2014. A medida é acompanhada da descentralização de alguns tribunais de família e menores. Seria uma vitória inquestionável, não se desse o caso de os tribunais reabertos passarem a funcionar, na maioria do tempo, como meros balcões de atendimento, por não terem juízes a tempo inteiro. Numa exposição enviada ao Presidente da República, um grupo de mais de 400 juízes que contestam outras disposições da lei da reorganização judiciária – que temem que lhes roube a independência – chama-lhes por essa razão “marcos de correio”. Ana Henriques
Mulheres solteiras terão acesso à PMA
A data ainda não é certa mas será a partir de 2017 que as técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA), como a inseminação artificial ou a fertilização in vitro, passarão a ser acessíveis a mulheres saudáveis sem parceiro, independentemente da sua orientação sexual. A regulamentação foi aprovada em Conselho Ministros mas está por publicar, o que deveria ter acontecido até Outubro. Não foi. Estão por conhecer os pormenores sobre a forma como o Serviço Nacional de Saúde dará resposta a estas mulheres, quando se sabe que, muitas vezes, não consegue dar resposta em tempo útil aos casais que já estavam abrangidos. Até à mudança legislativa de Junho, a PMA apenas era possível para casais heterossexuais em que um dos membros fosse infértil. C.G.
A reforma no acesso às universidades avança (mas só com consenso)
O ministro do Ensino Superior Manuel Heitor já avisou que só avança com a reforma se houver consenso, mas a proposta que está em cima da mesa para mexer no regime de acesso às universidades e politécnicos constitui uma pequena revolução. Entre as medidas defendidas pelo grupo de trabalho que esteve a avaliar as regras destacam-se o ajustamento das médias dos alunos que tenham estudado em escolas secundárias e colégios que, sistematicamente, atribuem notas internas inflaccionadas e a “normalização” das classificações dos exames do secundário — em função de uma média padrão — para evitar que um exame nacional mais difícil num determinado ano possa alterar significativamente as condições de entrada num curso (em Portugal os exames do secundário servem de prova de acesso ao superior). Samuel Silva
A factura das famílias com creches e lares pode mudar
A factura a pagar pelas famílias pelos serviços de creches, lares de idosos e centros de dia em instituições não lucrativas vai mudar em 2017. Como? O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social pouco adianta e diz apenas que procurará reforçar o princípio da diferenciação positiva no acesso às respostas sociais, sem deixar de atender à sustentabilidade financeira das instituições. O que é que se sabe então? Que 80% de todos os equipamentos sociais são de entidades não lucrativas que recebem financiamento do Estado e estarão, portanto, cobertos pelas alterações. E que o mais certo é que desapareçam as cantinas sociais, concebidas pelo governo anterior em parceria com as instituições. Em vez de garantir refeições já confeccionadas aos mais pobres, este Governo prefere entregar alimentos ainda por cozinhar. Objectivo: assegurar uma maior autonomia aos beneficiários em carência alimentar. Natália Faria
O Papa vem a Fátima no centenário das aparições
Será o quarto Papa a visitar o Santuário de Fátima, depois de Paulo VI (1967), João Paulo II (1982, 1991, 2000) e Bento XVI (2010). A 12 e 13 de Maio, Francisco estará em Fátima, assinalando o centenário das aparições na Cova da Iria. O anúncio oficial é de Dezembro. Mas já era há muito conhecida a intenção de Francisco: a 7 de Setembro, num encontro com os bispos de Portugal, afirmou: “Tengo ganas de ir a Fátima (quero ir a Fátima)”. E já tinha dito também, em privado, ao bispo da diocese de Leiria-Fátima, em Abril de 2015, que se Deus lhe desse “vida e saúde” estaria na Cova da Iria para celebrar o centenário das aparições. O sumo pontífice deverá chegar no dia 12 durante a tarde à base aérea de Monte Real e deverá regressar a Roma após as cerimónias religiosas do dia 13. E já está a ser trabalhado o plano para garantir que tudo corre bem: a articulação das forças e dos serviços de segurança está a cargo da secretária-geral do Sistema de Segurança Interna, a procuradora Helena Fazenda, segundo um despacho conjunto das ministras da Administração Interna e da Justiça, publicado a 15 de Novembro. Estima-se que em 2017 Fátima venha a receber oito milhões de visitantes. Andreia Sanches
Arrancam 34 novos centros de saúde
O anúncio é de Outubro: o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, garantiu no Parlamento que em 2017 haverá 34 novos centros de saúde no país. O investimento será de 34 milhões de euros. “Foram já feitos 34 protocolos com autarquias para aquela que será a maior vaga de construção de centros de saúde em 2017”, sublinhou. O Orçamento do Estado não se compromete com números nesta matéria. Fala apenas de “abertura de novas Unidades de Saúde Familiar”. Mas o secretário de Estado Adjunto e da Saúde Fernando Araújo deu pormenores: “A maioria destes 34 centros de saúde serão construídos de raiz” e mais de metade serão na zona de Lisboa. “Algumas obras já começaram este ano” e “a maioria demorará entre 12 e 14 meses a ficar concretizada”. A.S.
Instituições de acolhimento de crianças vão recrutar famílias
A Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, de 2015, determina que seja privilegiado o acolhimento familiar, “em especial” até aos seis anos, de crianças que foram retiradas às suas famílias de origem. A grande maioria continua a ir para residências de acolhimento. Menos de 5% vão efectivamente para famílias de acolhimento, colocando Portugal no topo da lista dos países com mais crianças e jovens em instituições, algumas das quais ainda com excessiva dimensão. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e outras instituições vão começar a seleccionar famílias de acolhimento com o objectivo de inverter essa tendência em 2017. Ana Dias Cordeiro
Nasce uma prestação única para pessoas com deficiência
Grandes mudanças se anunciam na vida das pessoas com deficiência em 2017. É o ano de iniciar projectos-piloto de vida independente para quem depende de terceiros (serão testados sistemas de assistência pessoal personalizada e orientada pelo utilizador) e de reforçar a redução de tributação para rendimentos do trabalho das pessoas com deficiência. Esta última está contemplada no Orçamento do Estado 2017. A nova prestação, que substituirá outras 12 que já existem, representará uma despesa pública de 60 milhões de euros e será paga mesmo a quem tem rendimentos do trabalho. Quem tem 80% ou mais de incapacidade recebe 260 euros por mês. O valor pago a quem tem entre 60% e 79% de incapacidade varia em função do rendimento. A.C.P./A.D.C.