Como se manter um escritor best-seller

Eis a elite dos escritores que vendem 100 milhões de livros – ou até mesmo 350 milhões. Um deles escreve em português. Os autores de "mega-best-sellers" não têm apenas leitores, têm fãs e dão-lhes aquilo que eles desejam.

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Os grandes escritores raramente confiam em que a sua popularidade é um dado adquirido. Peter Macdiarmid/Getty Images
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Nicholas Sparks a autografar o seu mais recente livro em Nova Iorque Astrid Riecken para The Washington Post

A leitura, ao contrário do que tem sido anunciado, não morreu. De facto, está bem viva.

O escritor brasileiro Paulo Coelho tem uma enorme legião de admiradores. O seu livro mais conhecido, O Alquimista, que narra a história de um jovem pastor andaluz em busca de um tesouro, passou quase oito anos – o equivalente a dois mandatos presidenciais nos Estados Unidos – nas listas das obras mais vendidas. Foi traduzido para 81 línguas. Mas O Alquimista é apenas um entre os mais de 30 livros de Paulo Coelho. O mais recente, A Espia foi publicado em Portugal em Setembro. No total, estima-se que este autor terá já vendido mais de 350 milhões de livros.

Sim, livros, esses objectos com muitas páginas, feitos de árvores mortas, que era suposto que tivessem há muito sido abandonados em favor de grandes e pequenos ecrãs.

E Paulo Coelho não está sozinho.

O mestre das histórias de terror Stephen King, com mais de 50 títulos, também já vendeu cerca de 350 milhões de livros. Dan Brown também tem milhões de leitores. Só O Código Da Vinci – que possivelmente o leitor deste texto terá na sua estante – vendeu mais de 80 milhões de exemplares.

Livros como O Ativista de John Grisham, que está agora no topo das tabelas de vendas nos Estados Unidos (The Whistler, no original), e End of Watch de Stephen King certamente estarão por baixo de muitas árvores de Natal neste ano, ou edições de bolso de livros anteriores destes autores aparecerão dentro das meias penduradas nas lareiras.

Existem os autores de best-sellers, e depois existem os autores de “mega-best-sellers” – escritores que já venderam mais de 100 milhões de exemplares. Autores como Ken Follett, Nora Roberts, James Patterson e Stephenie Meyer. E pode muito bem haver agora mais destes autores do que houve em qualquer outra altura.

Vivemos num tempo de estilhaçar das formas de entretenimento, quando muitas pessoas já não vão ao cinema nem compram CD nem vêem televisão em aparelhos de TV, e as novas gerações basicamente procuram formas de diversão através dos seus telemóveis.

Os autores de “mega-best-sellers” não têm apenas leitores. Têm fãs, da mesma forma que as estrelas de rock têm fãs. Os seus leitores são coleccionadores, determinados a possuir todos os títulos publicados. Vão em peregrinação até aos eventos onde estão presentes os autores – muitas vezes, em lágrimas, como no caso de Nicholas Sparks.

Os livros destes autores são vendidos em todo o lado. Nas lojas de conveniência e nas “lojas dos 300”. Nos supermercados e nos hipermercados. Estão tão presentes nos quiosques dos aeroportos como aquelas curiosas almofadas para o pescoço.

O incrível volume das suas vendas deve-se, em parte, ao avanço da tecnologia – os e-books e a velocidade de impressão e distribuição. Há não muito tempo, os retalhistas de livros e os leitores tinham que – oh, que horror! – esperar por mais edições de um romance de sucesso. Actualmente, se quisermos adquirir um exemplar de Morre, Alex Cross de James Patterson ou de Só Nós Dois de Nicholas Sparks e a livraria do nosso bairro não o tiver disponível, podemos descarregar um e-book em poucos minutos ou encomendar um exemplar impresso numa livraria online, que será entregue na nossa casa.

O êxito destas obras pode também ser atribuído ao poder acumulado dos mercados internacionais, apesar de, devido às múltiplas edições estrangeiras e aos vários formatos de publicação (capa dura, edição de bolso, e-books), apenas se poder apresentar um valor estimado do total de vendas a nível mundial.

A lista dos “mega-best-sellers” inclui autores de romances (Nora Roberts, Danielle Steele, Debbie Macomber), um criador de histórias assustadoras para crianças (R. L. Stine, com a série Arrepios), um mestre do amor (Sparks, que evita a etiqueta de romancista), uma muggle da feitiçaria britânica (J. K. Rowling, que calcula-se que já vendeu cerca de 450 milhões de livros), uma provocadora de sombras de sexo pervertido (E. L. James), e, mais do que qualquer outro género, os especialistas em policiais, suspense e terror (John Grisham, Stephen King, Dan Brown, Dean Koontz, Jeffrey Archer, David Baldacci e Mary Higgins Clark). 

Os leitores “finos” bem podem escarnecer dos escritores que sistematicamente editam best-sellers, e cujos livros poucas vezes receberão os ambicionados prémios literários ou integrarão as listas anuais de melhores obras. Mas estes autores fiáveis são as fundações que mantêm a saúde financeira das editoras e que permitem publicar escritores que recebem louvores académicos mas que nem sempre se traduzem em muitas vendas.     

Regularidade de um relógio suíço

Como é que alguém se consegue tornar num autor de grande sucesso? Não basta escrever ao computador, se bem que alguns romances se leiam exactamente dessa forma leve e rápida. A qualidade da escrita e da narrativa varia imenso, mas existem alguns pontos comuns entre os escritores de sucesso.

Em primeiro lugar, são extraordinariamente prolíficos. Publicam com a regularidade de um relógio suíço – uma vez por ano, duas vezes por ano, ou até mesmo todos os meses no caso de Patterson, que é ele próprio uma indústria, com uma equipa de escritores a trabalhar para ele. Ou Robert Ludlum, que continua a publicar a sua série Bourne e outros livros, muito após a sua morte em 2001, graças a múltiplos autores que continuam a escrever com o seu nome.

“Não se pode ter êxito com apenas um ou dois livros”, afirma Jamie Raab, directora e editora da Grand Central Publishing, que adquiriu os direitos de O Diário da Nossa Paixão, de Nicholas Sparks. Autores como Sparks “tendem a atrair muitos leitores logo no início, e depois mantêm-nos”, diz Raab, cuja chancela também publica David Baldacci. “Eles dão ao leitor aquilo que ele deseja.”

Para além disso, Sparks actua de uma forma “muito estratégica”. “Ele sabe como manter a sua base de fiéis”, conta Raab. “Escreve sobre personagens jovens, o que atrai leitores jovens.”

Da mesma forma estratégica, Charlie de Stephen King, a série de Grisham Theodore Boone: o Jovem Advogado e as séries de Patterson Escola e Caçadores de Tesouros são especialmente dirigidas aos leitores mais novos – que têm tendência a tornarem-se adultos que compram livros.  

Os grandes escritores raramente confiam em que a sua popularidade é um dado adquirido. Eles vão ter com os seus leitores e continuam a ir aos lançamentos dos seus livros e a sessões de autógrafos muito tempo depois de se tornarem superestrelas estabelecidas – e razoavelmente ricas. Em Junho deste ano, para lançar End of Watch, Stephen King fez uma digressão que passou por Dayton, no estado do Ohio, por Tulsa (Oklahoma) e por Salt Lake City (Utah), locais que os autores mais intelectuais tendem a evitar. Os “mega-sellers” também mantêm sites activos e interessantes e uma presença maciça nas redes sociais. Por exemplo, Dan Brown tem 6,5 milhões de “gostos” na sua página do Facebook.

Mas, acima de tudo, os autores que mais vendem apresentam-nos uma história espectacular. Nos seus livros, em especial nos de terror, policiais e de ficção científica, o enredo é essencial. Os protagonistas costumam ser personagens com quem nos podemos identificar – tímidos, desajeitados, ansiosos, míopes, a recuperar de vícios, irritáveis, de classe média, sem dinheiro – mas as suas histórias são fantásticas, extravagantes, uma jornada perigosa e um bem merecido escape da vida quotidiana do leitor. No romance, o amor é para todas as idades, e destinado a acontecer e a manter-se, e não casual. O enredo não se preocupa com as minudências que representam a louça por lavar ou as inspecções das Finanças.

“Não se pode desvalorizar o valor do entretenimento que estes tipos estão a proporcionar”, declara Suzanne Herz, vice-presidente-executiva da Doubleday, que publica John Grisham e Dan Brown. “Normalmente existe um tema do tipo David contra Golias. Queremos que o herói saia vitorioso.”

Saber agarrar o leitor

E isto sucede porque são heróis pelos quais vale a pela torcer. Nan Graham, editora da Scribner, que publica Stephen King, explica: “Uma das coisas que tornam o Steve tão excepcional é que ele oscila de um lado e do outro da linha entre o normal e o sobrenatural, mas começa sempre com um homem comum. Muitos dos seus protagonistas provêm da classe trabalhadora. São totalmente a essência da  América profunda.”

Reagan Arthur, editor da Little, Brown, em cujos autores se incluem James Patterson, Stephenie Meyer e Michael Connelly (com vendas de mais de 60 milhões de exemplares), concorda. Segundo ela, os principais escritores apresentam “heróis com uma segurança que agarra os leitores ao mesmo tempo que contam uma história que é uma fonte de escape. Nunca se deve subestimar o poder de um vilão realmente bem delineado, alguém contra quem o leitor pode torcer”.

É fácil conseguir isto? Não, não é.

Se fosse, mais autores estariam a vender milhões de livros. O escritor pouco conhecido Mark Stay e o seu colega Mark Desvaux, que se intitula “potencial autor”, estão actualmente a tentar produzir um livro de sucesso no prazo de 52 semanas, um sonho que estão a explicar no seu blogue e em entrevistas em podcast (onde falam com escritores mais conhecidos), sob o nome The Bestseller Experiment

O sucesso não chega logo com o primeiro livro. Gillian Flynn publicou dois romances de mistério antes do seu enorme êxito Em Parte Incerta, que vendeu mais de 15 milhões de exemplares. Nem sequer existe qualquer garantia de que possa ser repetido. Os editores estão ansiosos por saber se o novo thriller de Paula Hawkins, Into the Water, com publicação prevista para o dia 2 de Maio de 2017, conseguirá igualar A Rapariga no Comboio, que vendeu mais de 18 milhões de exemplares. 

“Creio que não é realista esperar que um autor consiga repetir um determinado momento”, afirma Jason Kaufman, editor de Dan Brown. “É como um jogador de basebol famoso conseguir ganhar o prémio para o melhor lançador e a final do campeonato. Pode-se ter uma carreira de 20 anos e mesmo assim não conseguir isso.” 

Mas, por outro lado, há quem consiga.

Stephen King “está determinado a não nos desapontar”, diz Nan Graham. “Ao longo de 20 anos a trabalhar com ele, nunca deixámos de ter um livro de Stephen King na lista [dos mais vendidos].” Aos 69 anos, ele continua a escrever, e a escrever muito.

Não foi apenas com o desejo ou apoiando-se no prévio sucesso de Angústia/Misery ou À Espera de um Milagre que ele vendeu 350 milhões de livros. Em 2016, publicou nos Estados Unidos aquilo que um qualquer outro autor pode levar uma década ou mais a produzir: um romance, uma obra para uma colectânea de ensaios, um livro infantil e dois pequenos contos. No próximo ano terá mais um romance. Em conjunto constituem uma forma segura de manter King como um rei entre os leitores, e de o segurar no cimo da lista de best-sellers, onde parece ter fixado residência.

 

The Washington Post/PÚBLICO

 

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