BE e PCP tentam mostrar que têm vida para além dos acordos

A contestação nas ruas e a marcação de greves diminuíram drasticamente, mas bloquistas e comunistas mantiveram as bandeiras da banca, da dívida e do euro ao mesmo tempo que esticam a corda com que prendem o Governo.

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Daniel Rocha

Bloquistas, comunistas e ecologistas têm feito questão de mostrar que o apoio que dão ao Governo, na sequência dos acordos assinados em Novembro de 2015 e que permitiram a subida do PS ao poder, não os deixa de mãos e pés atados. É certo que a contestação quase desapareceu das ruas e as greves foram raras durante este ano, mas os partidos mais à esquerda procuraram contrariar a ideia de serem feras amansadas.

Foi nessa linha, por exemplo, que o congresso do PCP tomou como principais bandeiras para acção do partido, a curto e médio prazo, a renegociação da dívida e o estudo para a saída de Portugal do euro; é também com essa filosofia que o Bloco insiste na questão da dívida e da reversão das PPP, e até arriscou, antes do Verão, defender um referendo sobre o Tratado Orçamental. E se esta proposta foi liminarmente rejeitada pelo PS, Governo e até o Presidente da República, já a ideia da renegociação da dívida começa a ter alguma receptividade no primeiro-ministro, que admitiu que o assunto deve ser debatido lá para 2018.

Há toda uma teia frágil que suporta o Governo, mas cujos fios só começarão a soltar-se se houver regressões em relação ao que ficou escrito nos acordos, sobretudo em matéria de rendimentos. Essa é uma ideia que os partidos da esquerda não se cansam de repetir ao Governo publicamente, e garantem que não se sentem coarctados na sua liberdade de iniciativa legislativa.

Olhando para as bandeiras dos dois partidos, será fácil chegar à conclusão que é mais o que os une do que aquilo que os separa. No entanto, mantêm-se diferenças de comportamento e de funcionamento. Momentos houve em que uma espécie de hiperactividade bloquista tornou mais azedas as relações com o PCP – que prefere a circunspecção - e causou algum desconforto no PS. Exemplos foram o episódio de Catarina Martins garantir, num comício do seu partido, que o salário mínimo nacional (SMN) subiria em 2017 para 557 euros, e o expoente máximo acabou por ser o chamado “imposto Mortágua”, o adicional ao IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis, anunciado pela deputada Mariana Mortágua quando ainda nem havia acordo sobre as condições. O PS encolheu-se, o PCP usou o jornal Avante! para acusar, sem nomear, os bloquistas de “espalharem com as patas” enquanto os comunistas “juntam com o bico”, numa alusão às consequências negativas para a imagem do Governo e dos partidos que o apoiam que a ameaça de um novo imposto poderia causar.

No caso do aumento do SMN e das pensões, apesar de ajudar a viabilizar, com o seu voto, as medidas do Governo, o PCP fez questão de apresentar as suas propostas para actualizações mais elevadas, sabendo que são liminarmente chumbadas pelo PS. No caso das freguesias, tanto BE como PCP fazem finca-pé na reposição imediata, mesmo contra a posição do Governo, e na questão da reabertura dos tribunais os dois partidos não baixaram os braços perante a meia-solução do Executivo.

Apesar de terem conseguido travar e reverter até algumas privatizações e concessões na área dos transportes públicos, BE, PCP e Verdes não deixam de levantar a voz contra o Governo PS pela degradação dos serviços e de instigar os sindicatos. O mesmo acontece na área da saúde e da educação. Ainda no âmbito do orçamento, o Bloco opôs-se à desresponsabilização dos autarcas e viabilizou a norma que reforçou a obrigação de os administradores da CGD a apresentarem a declaração de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional. Antes, BE e PCP haviam juntado vozes pela demissão do governador do Banco de Portugal depois da actuação do regulador nos casos do BES e Banif. A banca é, aliás, um tema que os une, mas com diferenças ainda marcantes: o PCP continua a dizer que é preciso nacionalizar todo o sector, o Bloco, mais comedido, pede medidas de transparência.

Num ano em que as caras das duas lideranças foram reconfirmadas – Catarina Martins voltou a ser a única coordenadora bloquista na sequência da Convenção do Bloco, no início do Verão; Jerónimo de Sousa foi reconduzido como secretário-geral do PCP há três semanas no XX Congresso -, o que mudou no discurso para o interior dos respectivos partidos adveio da necessidade de justificar o apoio aos socialistas. O que é compreensivelmente mais difícil no PCP do que no Bloco. A principal mensagem tem sido a de que a bitola foi virada para a direcção certa quando esse apoio permitiu tirar a direita do poder, mas o caminho ainda será longo e difícil. Daí que Catarina e Jerónimo não se cansem de repetir, por vezes diariamente, que “não chega”. António Costa deixa-os falar e fazer propostas que não lhe agradam porque sabe que PCP e BE têm que manter os seus eleitorados – porque os deles são também seus, ainda que apenas temporariamente emprestados.

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