Jovens mais confiantes e competentes têm menos valores e consciência social
Inquérito feito a 2700 alunos portugueses revela que, à medida que crescem, jovens vão perdendo a auto-estima e confiança em si mesmos. As raparigas, por outro lado, parecem ver o seu desempenho prejudicado por terem maior consciência social. E, quanto mais ricos, menos preocupações com os outros.
Até que ponto a consciência social e os valores pessoais podem funcionar como travão ao sucesso de um jovem, em termos académicos mas também de saúde e bem-estar? A capacidade que um jovem possa ter para criar empatia com os outros e com os problemas à volta actua no sentido contrário ao do bem-estar? Estas são duas das perguntas que ficaram a pairar na cabeça da psicóloga Margarida Gaspar de Matos, coordenadora portuguesa de um estudo que, após um inquérito a 2700 jovens portugueses entre os 16 e os 29 anos, chegou a conclusões aparentemente pouco animadoras: por um lado, as raparigas demonstram ter uma consciência social mais apurada do que os rapazes, mas depois aparecem como menos optimistas e propensas a sentimentos de mal-estar físico e psicológico; por outro lado, os jovens com um estatuto socioeconómico mais elevado são os que menos valores e consciência social parecem ostentar, mas são também os mais confiantes e optimistas e os que mais facilmente se percepcionam como bons alunos.
“Fica-se com a sensação que um jovem ou é competentíssimo e confiante mas muito pouco preocupado com os outros e com a realidade – portanto, autocentrado e egoísta, ou cria empatia com o que o rodeia e sofre por causa disso e torna-se menos bem sucedido”, cogita Margarida Gaspar de Matos. Mas estas são elaborações para fazer no futuro. Por enquanto o que o estudo Be Positive, que é apresentado esta segunda-feira, na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, faz é o “raio x” da situação em termos de saúde pública dos jovens, segundo a teoria dos 5 cês do norte-americano Richard Lerner, segundo o qual há características básicas nos jovens – confiança, competência, conexão, cuidados e carácter – que são determinantes nos seus comportamentos, em termos académicos, de saúde, bem-estar e qualidade de vida, entre outros aspectos.
“É como se estes 5 cês fossem um software, uma maneira de agir na vida”, ajuda a compreender Margarida Gaspar de Matos. Coordenadora há muitos anos do projecto Aventura Social, que se dedica à promoção da saúde dos jovens, e membro da equipa do Health Behaviour in School-aged Children, da Organização Mundial de Saúde, a psicóloga foi convidada a integrar a rede do Desenvolvimento Positivo dos Jovens (Positive Youth Development, conhecido internacionalmente pela sigla PYD) que se propôs fazer a validação à escala mundial dos 5 cês, enquanto instrumento aferidor do comportamento dos jovens. O estudo, liderado pela Universidade de Bergen, na Noruega, decorreu simultaneamente em mais de 20 países, nesta primeira fase em que Portugal também participou (outros países se juntaram entretanto). E, numa altura em que ainda não é possível comparar os resultados entre países nem chegar aos porquês, os inquéritos feitos online aos 2700 jovens, levantam desde já várias interrogações.
Quanto mais velhos, mais tristes e menos saudáveis
Desde logo, os níveis de confiança, que remetem para a questão da auto-estima e para a existência de uma identidade positiva e sensação de bem-estar, parecem diminuir à medida que os jovens crescem. “Podia-se pensar que quanto mais velhos mais competências destas têm, mas é o contrário: quando mais velhos pior. Quando andam, por exemplo, no 10.º ano, os miúdos têm muito mais boa impressão sobre si e sobre as suas competências e, à medida que vão ficando mais velhos, vão ficando não sei se mais realistas, se mais pessimistas”, admirou-se Margarida Gaspar de Matos. Considera que se trata de “um dado preocupante, do ponto de vista da saúde do bem-estar dos jovens”, e que levanta a questão de saber “o que é que a sociedade em geral, mas também a escola e a universidade podem fazer para ajudar os jovens a crescer sem terem de sucumbir e ficar mais tristes e menos saudáveis”.
Se esta mudança é exclusiva da sociedade portuguesa ou decorre do amadurecimento dos jovens, e de uma maior noção que possam adquirir das dificuldades que os esperam na vida adulta, é cedo para concluir. “Daqui para a frente vamos discutir com os jovens para perceber como é que eles interpretam isto. Em segundo lugar, vamos comparar os resultados a nível internacional, mas isso só poderá ser feito daqui por um ano, o mais tardar”, explica a psicóloga para quem esta conclusão terá também de se relacionar com o que já se sabe quanto à adopção em idades mais avançadas de comportamentos de risco, como a ingestão de álcool e o tabaco e as relações sexuais desprotegidas.
Raparigas sentem mais “o peso” do outro
Habituada a estudos sobre a saúde dos jovens que tradicionalmente caracterizam os rapazes como sendo mais propensos a comportamentos de risco e as raparigas a estados de mal-estar físico e psicológico, o Be Positive surpreendeu Margarida Gaspar de Matos porque não mostrou grandes diferenças entre homens e mulheres nestas cinco competências. “É dos primeiros estudos que tenho em mãos em que não há diferenças de género, a não ser na questão da consciência social que se inscreve no C do carácter. As raparigas parecem ter mais consciência social, mas depois sabemos, pelos outros estudos que conhecemos sobre a saúde dos jovens, que os rapazes são mais optimistas e conseguem fazer muito melhor, ou seja, o potencial e os processos são idênticos entre rapazes e raparigas, mas, em termos de output, daquilo que é possível concretizar, eles saem-se melhor. É uma nova maneira de ver as diferenças de género e que levanta a questão de perceber a que ponto a consciência social, a capacidade de cada um se preocupar com os outros conseguem empatar o bem-estar e a descontracção de quem possui estas características”, explica a psicóloga, a quem interessa agora perceber até onde é que “nas raparigas o peso dos outros é um factor negativo”. Dito de outro modo, “se esta consciência social faz com que elas fiquem penalizadas no seu desempenho”. E, por outro lado, se este efeito decorre de elas estarem mais alertadas para os problemas, mas incapazes de actuar e produzir mudanças.
Mais sucesso igual a menos solidariedade?
Outra conclusão a justificar análise mais minuciosa é a que relaciona o estatuto socioeconómico com uma menor preponderância dos valores pessoais e da consciência social. “Os jovens mais privilegiados têm melhor desempenho em tudo, menos nos valores pessoais, em que ficam mais abaixo do que os outros.” Haverá entre eles uma ausência de necessidade de criarem empatia com os problemas à volta? “Parece que sim”, admite a psicóloga, para justificar que o padrão se repita relativamente à percepção da competência escolar. “Os jovens que têm estes 5 cês robustecidos sentem-se menos aborrecidos e menos pressionados com a escola. Mas, na questão da percepção da competência académica, os que se saem melhor são os que têm os melhores 5 cês, com excepção dos valores pessoais, ou seja, também não é preciso ter grandes valores pessoais para ter uma boa percepção de si enquanto aluno.”
Este ano, Margarida Gaspar de Matos fez um exercício com os seus alunos de 19 anos, no primeiro ano da faculdade, e concluiu que “a grande preocupação da vida deles é acabar o curso e arranjar um emprego”. “Todas as outras preocupações não existem. Eles vêem o futuro como uma coisa tão nebulosa que não conseguem sair deles e preocupar-se com mais nada.” Depois disto, a conclusão de que os jovens mais competentes e mais confiantes são os menos preocupados com os outros e com a realidade não a surpreendeu grandemente. “Mas se assim é, se concluímos que para sermos bem sucedidos temos de pôr umas palas de individualismo, não saímos nada bem na fotografia”, preocupa-se. E chega a uma das grandes questões que vai merecer uma análise mais apurada no futuro: “Perceber se as pessoas, para serem bem sucedidas no que diz respeito à competência académica e ao estatuto socioeconómico, têm realmente de ser menos simpáticas ou menos solidárias ou dar provas de menos coesão social.”