A Filosofia está de volta?

Este ano, as 179 vagas das licenciaturas em Filosofia no ensino público foram totalmente preenchidas na 1.ª fase do concurso nacional de acesso. O PÚBLICO foi tentar perceber o que leva alunos e professores a apostar numa área que muitos consideram inútil.

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Daniel Rocha

Disseram-lhes que estavam a desperdiçar notas, a arruinar o futuro e a escolher um curso inútil. Chegaram, inclusive, a aconselhá-los a não fazer essa escolha e a apostar numa área com mais empregabilidade. No entanto, nenhum desses conselhos surtiu qualquer efeito em muitos dos alunos que, este ano, se candidataram à licenciatura de Filosofia como primeira opção.

De acordo com dados da Direcção-Geral de Ensino Superior (DGES), este é um momento especial: contrariamente ao que se sucedeu nos últimos 16 anos, as vagas para a licenciatura em Filosofia foram totalmente preenchidas na primeira fase do concurso nacional de acesso. Actualmente são cinco as universidades públicas que têm esta oferta. “É entusiasmante pensar que todas as vagas foram preenchidas”, diz Ana Filipa Mandingas, uma das melhores alunas colocadas na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Joaquim Silva, caloiro do curso superior de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, também fica satisfeito com o preenchimento das vagas, ainda que vá dizendo que é “preciso ter em conta que muitos dos alunos não colocaram Filosofia como primeira opção”. Não foi o seu caso. Com média de 18,7 valores (numa escala que vai até 20), e apesar de ter realizado o secundário na área das Ciências e Tecnologias e de o terem aconselhado a seguir outros cursos, deixou-se render pela sua grande paixão. “Foi algo que pensei com muito cuidado, muito devido à empregabilidade do curso comparativamente a outros das áreas que podia seguir, mais ligadas às Ciências ou Engenharias.”

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É certo que na hora de escolher um curso superior existem muitos aspectos a considerar e, não raras vezes, o nível de empregabilidade sobrepõe-se ao próprio gosto: “O índice de empregabilidade dos cursos tem funcionado cada vez mais como um critério importante — e para alguns, quase exclusivo — para a avaliação dos cursos”, afirma Pedro Martins, director do curso de Filosofia da Universidade do Minho. Por este motivo, é costume ouvir pais e professores aconselharem os alunos a escolher com a razão e não com o coração.

E, no entanto, este ano, as 179 vagas que abriram nas universidades públicas foram totalmente preenchidas logo na 1.ª fase do concurso de acesso. Há cinco anos, por exemplo, 30% das 215 que então foram postas a concurso ficaram por preencher; em 2012 e 2013 o número de lugares neste curso baixou (para 195 e 180, respectivamente), mas, de novo, mais de 30% ficaram vazios. E só em 2014 se começou a notar um aumento da procura.

A utilidade de um tratado

Há que ter em conta que nem todos os alunos entram em Filosofia por vocação. O facto de as notas de entrada não serem muito altas (este ano, a média do último colocado oscilou entre os 12,48 da Universidade do Porto e os 11,02 da Universidade do Minho) faz com que a Filosofia sirva muitas vezes como mera porta para o ensino superior.

Não é novidade que os cursos com mais empregabilidade são das áreas das Ciências e Tecnologias, contudo, até aí há licenciaturas que não asseguram emprego automático, o que pode deixar os alunos mais divididos em relação ao que escolher. “O facto de se ter percebido que, nas áreas que tradicionalmente davam emprego, também há desemprego, leva as pessoas a, finalmente, escolherem o que gostam”, refere Marta Mendonça, coordenadora da licenciatura de Filosofia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Marta Mendonça nota que, como impressão social, os cursos de Humanidades não são tão credibilizados como os das áreas das Ciências e Engenharias e, no caso da Filosofia, afirma que isso se deve à necessidade da justificação social da sua utilidade. “Vejo alguém a fazer uma catedral e sei o que faz, vejo alguém a escrever um tratado e não vejo, imediatamente, a utilidade do tratado, porque não é um tratado sobre como se constroem barcos ou casas”, diz.

Então, não são raras as vezes que perguntam a quem se dedica à Filosofia: “Tu, para que é que serves?”

“A nível geral, acho que a Filosofia é esquecida e tomada como inútil”, declara Frederica Ferreira, a melhor colocada este ano em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com média de 18,8 valores. Um motivo para isso acontecer, segundo Pedro Ferreira, um dos melhores alunos do 2.º ano deste curso, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, é o facto de a Filosofia ter sido “desviada para um plano mais ligado ao lazer e ao tempo-livre”.

Dar resposta a problemas difíceis

Mas o que move quem escolhe Filosofia por gosto? A disciplina conta com mais de 2500 anos de existência e deu os seus primeiros passos na Grécia Antiga. Nessa época, os homens pensadores eram considerados verdadeiros sábios. “Sem dúvida que essa é a imagem cultural que perpetuou e perpetua a imagem do filósofo. Mas creio que, de facto, não corresponde àquilo que as pessoas pensam genuinamente dos filósofos”, confessa Pedro Ferreira. “Neste momento, para a maior parte das pessoas, quem é filósofo é porque, com certeza, é louco”, diz Filipa Fernandes, uma das melhores alunas do 3.º ano de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

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Mas, ao contrário do que se pensa, “os filósofos preocupam-se com os mesmos problemas que a generalidade das pessoas”, afirma o director do curso de Filosofia da Universidade do Minho. “A diferença é que têm o privilégio de poder estudar determinados problemas com mais cuidado e tempo, dedicando-lhes a sua vida em exclusivo”, prossegue Pedro Martins. João Carvalho, um dos melhores alunos do 3.º ano de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, diz mesmo: “A nossa sociedade necessita de novas vozes no panorama filosófico, capazes de dar expressão e resposta aos difíceis problemas que o nosso tempo tem diante de si.”

A Filosofia surge como uma oportunidade de dialogar com “cabeças brilhantes”, “de ser interpelado e ir com alguém atrás de uma ideia e aprofundá-la, explorá-la”, como refere Marta Mendonça.

Esta oportunidade de entrar na cabeça de pessoas mais profundas e interessantes é, de resto, segundo, Pedro Martins, o que está a falhar na sociedade actual: “Ainda há um longo caminho a percorrer na sociedade portuguesa até que a Filosofia tenha a visibilidade mediática que poderia ter. Por falta de filósofos no espaço público temos muitas vezes uma visão estreita, simplificada da realidade e do pensamento”.

Também alguns alunos pensam que a Filosofia está muito fechada à generalidade das pessoas e que é necessário desmistificar o que ela é. “Acho que a Filosofia não se pode fechar no seu círculo técnico e de difícil acesso, mas tem que abdicar, por vezes, da sua complexidade para chegar a um público mais geral”, afirma Joaquim Silva. Frederica corrobora essa ideia, dizendo que “talvez divulgar mais as acções e projectos no âmbito desta área mudasse a forma como os outros a encaram”.

Para José Meirinhos, responsável pela licenciatura de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, não há uma opinião única da sociedade acerca da Filosofia e dos filósofos: “Dentro de uma mesma sociedade há muitas opiniões sobre a Filosofia. Há até sociedades que não querem ter qualquer opinião sobre a Filosofia e não querem ter filósofos. E há poderes (religiosos, políticos, militares, tecno-científicos, familiares, individuais) que têm uma opinião muito depreciativa da Filosofia.”

O que é certo, acredita Marta Mendonça, é que a Filosofia é daquelas áreas que nunca morrerá — não faz sentido pensar na “morte de alguma coisa que é tão radical no homem como entender o mundo”. E também essa será uma razão que leva a que muitos continuem a escolher este curso.

Texto editado por Andreia Sanches

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