“Guerra” do Governo polaco contra jornalistas levou a cerco do Parlamento

As medidas do Governo ultra-conservador estão a apertar cada vez mais o cerco à liberdade de expressão. Orçamento foi aprovado à porta fechada.

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Milhares de pessoas cercaram o Parlamento polaco, em Varsóvia, em protesto contra o Governo AFP/WOJTEK RADWANSKI

O Parlamento polaco foi palco de momentos de grande tensão na noite de sexta-feira. Um grupo de manifestantes cercou o edifício onde está sedeada a assembleia, em Varsóvia, em protesto contra aquilo que dizem ser uma tentativa de limitação da liberdade de imprensa e de expressão por parte do Governo.

O cerco ao Parlamento obrigou a primeira-ministra, Beata Szydlo, e o líder do partido ultraconservador no poder Lei e Justiça (PiS, na sigla polaca), Jaroslaw Kaczynski, a abandonarem o edifício apenas depois das 3h da manhã deste sábado (menos uma em Portugal continental), sob protecção policial, diz a AFP. A polícia acabou por dispersar as milhares de pessoas que se mantinham a bloquear todas as saídas do edifício, mas negou ter usado gás lacrimogénio, embora o chefe da polícia tenha admitido ter utilizado força física.

A manifestação, convocada pelo Comité de Defesa da Democracia (KOD), teve início durante a tarde e tinha como objectivo protestar contra um novo regulamento que limita a cobertura noticiosa das actividades dos deputados. A nova lei limita o acesso à galeria de imprensa do hemiciclo a apenas dois jornalistas com acreditação permanente por órgão de comunicação, impedindo os restantes de tirar fotografias ou filmar. Mais de vinte meios de comunicação, incluindo o diário de referência Gazeta Wyborcza, decidiram não cobrir a sessão parlamentar de sexta-feira, em protesto.

Durante os trabalhos parlamentares, alguns deputados ocuparam a tribuna do Parlamento e lançaram gritos de “Democracia” e “Imprensa livre”. Argumentando que o protesto dos deputados era “ilegal”, o presidente do Parlamento, Marek Kuchinski, decidiu mudar o local de voto do Orçamento para uma outra sala do edifício, onde foi proibida a entrada dos jornalistas. Foi a primeira vez desde o colapso da Cortina de Ferro que uma votação no Parlamento polaco foi feita fora da sala principal, diz a Reuters.

Os três partidos da oposição uniram-se nas críticas à actuação do presidente do Parlamento e pediram uma nova votação na próxima semana. “Não há provas de que o quórum de deputados tenha sido cumprido”, disse o líder do partido Nowoczesna, Ryszard Petru. O líder do PiS acusou os manifestantes de “hooliganismo” e o ministro do Interior, Mariusz Blaszczak, descreveu os protestos como uma “tentativa ilegal de tomar o poder”. Para este sábado estavam marcadas mais manifestações contra o Governo.

Manifestações restringidas

Desde que foi eleito, em Outubro de 2015, o Governo do Lei e Justiça é acusado de lançar uma autêntica ofensiva contra a liberdade de imprensa, de forma a limitar ao máximo a divulgação de opiniões divergentes. Esta semana, o Parlamento – dominado pelo partido que apoia o executivo – aprovou uma lei que restringe as reuniões públicas.

Com a nova lei, passa a existir uma categoria de “reuniões periódicas” que abarca encontros organizados no mesmo local e numa data definida. Este tipo de manifestações passa a ter prioridade em relação a todas as outras, que devem ter lugar a pelo menos cem metros das periódicas, explica a Reuters. Desta forma, torna-se muito mais difícil organizar protestos contra encontros patrocinados pelo Estado ou pelo partido no poder, acusam os deputados da oposição.

Uma vez por mês, o Lei e Justiça tem organizado uma manifestação em Varsóvia para lembrar o desastre aéreo de Smolensk, que em 2010 vitimou o então Presidente Lech Kaczynski, irmão do líder do PiS. Dias antes da aprovação da lei dos encontros públicos, um grupo de activistas críticos do Governo organizou uma contra-manifestação para o mesmo dia da marcha do PiS, que foi reprimida pela polícia. A Freedom House, organização não-governamental que monitoriza as liberdades cívicas e políticas, concluiu que a Polónia assistiu a uma degradação da liberdade de imprensa no último ano, especialmente depois da aprovação de uma lei que transfere o controlo dos meios de comunicação públicos para o Ministério das Finanças.

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