Pobreza baixa mas ainda é mais alta do que na pré-crise

Taxa de pobreza em 2015 recuou para 19% da população. Diminui nas crianças, aumentou nos idosos. Congelamento das pensões agravou situação dos mais velhos, diz Vieira da Silva.

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O país continuar a ter uma taxa de pobreza superior à de 2012 Paulo Pimenta

Depois de um forte agravamento no pico da crise europeia, os níveis de pobreza em Portugal baixaram em 2015 pela primeira vez em quatro anos – a chamada taxa de risco de pobreza, revelada nesta quinta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), reduziu-se para 19% da população em 2015, após dois anos em 19,5%. Mas se a pobreza diminuiu e as desigualdades na distribuição dos rendimentos também, a melhoria não chegou a todos os grupos populacionais, nomeadamente entre os idosos, e os níveis de pobreza ainda são superiores aos valores anteriores à crise.

Um olhar mais recuado mostra que a pobreza – depois da trajectória de redução até à crise financeira internacional e do agravamento que se lhe seguiu – estava em 2015 exactamente aos mesmos níveis de 13 anos antes, quando em 2002, ano de entrada em circulação do euro, a pobreza abrangia 19% da população. Outros dados do INE dão conta da dimensão do problema: um quarto da população, cerca de 2,6 milhões de pessoas, está em risco de pobreza ou exclusão social.

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Entre os mais velhos houve um agravamento da pobreza, cuja taxa de risco corresponde à proporção de habitantes com rendimentos líquidos inferiores a 439 euros por mês. Os idosos nesta situação subiram de 17 para 18,3%. É, para o actual ministro do Trabalho e Segurança Social, um dado “preocupante”, por inverter “uma tendência histórica pesada de muitos anos de diminuição consistente da pobreza dos idosos”. O congelamento das pensões foi o principal factor por detrás do deste agravamento, afirma José Vieira da Silva, em entrevista ao PÚBLICO.

Carlos Farinha Rodrigues, investigador na área dos rendimentos, desigualdades e pobreza, sustenta que “o ano de 2015 ainda foi um ano em que o número de beneficiários do Complemento Solidário para Idosos (CSI) diminuiu”. Houve uma redução “não porque tenha havido uma alteração significativa das regras, mas creio que devido a uma menor atenção dada ao acompanhamento e à utilização da medida por parte dos responsáveis pelas políticas sociais em Portugal. Por outro lado, assistimos no período da crise a um esforço muito grande por parte dos idosos para acolherem no seu seio os seus descendentes mais jovens, que foram apanhados pelo desemprego, o que pode ter contribuído para agravar a condição destes idosos”, afirma Farinha Rodrigues ao PÚBLICO. 

Os números da Segurança Social evidenciam uma diminuição dos beneficiários da medida destinada a complementar a pensão dos idosos: eram 212.631 em 2014 e baixaram para os 176.790 no ano passado.

A existência de idosos que não recebem este apoio (apesar de teoricamente reunirem condições para tal) levou, aliás, a que, em Outubro último, o Governo tenha arrancado com uma campanha de divulgação do CSI, através do envio de cartas a cerca de 146 mil idosos. Mas à diminuição do número de beneficiários do CSI, o professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, José António Pereirinha, acrescenta um terceiro factor explicativo: “O facto de as pensões, que são sempre a principal fonte de rendimento dos idosos, não terem sofrido nenhuma variação positiva em 2015 poderá ajudar a perceber este agravamento”.

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Menos crianças pobres

Em contrapartida, a pobreza recuou 2,4 pontos percentuais entre os menores de 18 anos, tendo baixado para os 22,4% no ano passado. No mesmo sentido, o risco de pobreza entre os adultos em idade activa foi de 18,2%, menos 0,6 pontos percentuais do que em 2014. Estes indicadores levam Carlos Farinha Rodrigues a considerar que o quadro apresentado pelo INE é “globalmente positivo, embora com melhorias ainda muito incipientes”. O investigador sublinha, porém, que a redução da taxa de risco de pobreza em meio ponto percentual “está longe de ser meramente administrativa”, já que a mediana de rendimentos que lhe serve de referencial também aumentou em 2015, ao contrário do que vinha sucedendo nos anos anteriores.

Ainda que o desemprego em 2015 tenha baixado e crescido a criação de emprego, o que se manteve inalterado foi o risco de pobreza entre quem trabalha, atingindo 10,9% dos empregados, ou seja, perto de 500 mil trabalhadores. Já era assim em 2014. Do mesmo modo que neste ano a pobreza já ameaçava 42% dos desempregados, o mesmo valor registado no ano anterior. “Esta percentagem irá certamente desagravar-se em 2016, diria que para os 10,6 ou 10,7%”, antecipa António Pereirinha, reportando-se sobretudo ao aumento do salário mínimo nacional dos 505 euros de 2015 para os 530 euros este ano.

Por enquanto, as ligeiras melhorias não disfarçam o facto de o país continuar a somar mais pobres do que em 2012. Neste ano, a taxa de risco de pobreza era de 18,7%, tendo aumentado para os 19,5% em 2013 e 2014, baixando para os 19% em 2015. E, tal como nos anos anteriores, as famílias com crianças continuam a registar um risco de pobreza mais elevado do que os restantes grupos: 21%. Apesar disso, o INE sustenta que a taxa diminuiu 1,2 pontos face ao ano anterior.

Nos agregados monoparentais com pelo menos uma criança, o cenário agrava-se, com a pobreza a ameaçar 31,6% destas famílias. Pior estão ainda os dois adultos com três ou mais crianças, onde 42,7% vivem sob a ameaça da pobreza.

Menos transferências

Por outro lado, as transferências sociais começaram a pesar menos na redução do risco de pobreza. No total, os subsídios de doença e incapacidade, família, desemprego e inclusão social reduziram aquele risco em 6,1%, contra os 6,9% de 2014 e os 7,2% de 2013. Assim, se considerarmos apenas os rendimentos do trabalho, de capital e transferências privadas, 46,3% da população residente em Portugal estaria em risco de pobreza em 2015.

As pensões de reforma e sobrevivência reduziram esta percentagem em 21,2%, “resultando assim numa taxa de risco de pobreza após pensões e antes de transferências sociais de 25,1%.

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