Para acabar de vez com três ideias feitas
Nuno Crato foi o ministro que mais ataquei nos últimos anos, tendo inclusivamente defendido neste mesmo jornal (“Caro Nuno Crato: ainda aí está?”) a sua saída após a desastrada abertura do ano lectivo de 2014.
A propósito do artigo “Justiça para Nuno Crato” recebi vários comentários pertinentes de leitores, além de um texto de Bárbara Wong neste jornal (“Os pais e as mães do sucesso dos alunos portugueses”) onde me era atribuída a profissão de cantador “de loas a Nuno Crato”. Aproveito a embalagem do tema e algumas dessas críticas para tentar clarificar a minha posição e desmontar três ideias feitas a propósito da escola pública.
Primeira ideia feita: Nuno Crato, seguindo o maquiavélico plano de destruição do Estado Social congeminado pelo anterior governo em colaboração com a troika, tentou desmantelar a escola pública. Esta ideia feita entronca numa outra, que me é frequentemente atribuída – a de que a direita liberal considera o governo de Passos Coelho a melhor coisa que passou pela Península Ibérica desde Ulisses. Qualquer breve visita ao Google desmente isso com facilidade, mas ninguém se dá ao trabalho. Eu ajudo: tirando Miguel Relvas e Paulo Portas, Nuno Crato foi o ministro que mais ataquei nos últimos anos, tendo inclusivamente defendido neste mesmo jornal (“Caro Nuno Crato: ainda aí está?”) a sua saída após a desastrada abertura do ano lectivo de 2014. Isso não significa, porque o mundo não é a preto e branco, que Crato não tenha tido mérito nalgumas das suas políticas, em particular no aumento da exigência no domínio da Matemática. Essa exigência foi agora premiada via TIMMS, e é nesse sentido que lhe deve ser feita justiça. Tal como deve ser feita justiça ao governo de Passos Coelho – e à honestidade intelectual, já agora –, sublinhando que a tão propagandeada narrativa da “destruição do Estado Social”, que não é uma narrativa só da extrema-esquerda mas também do PS, é pura e simplesmente patética.
A segunda ideia feita tem a ver com a questão da exigência: muitos dizem que hoje em dia é só laxismo, e que antigamente a escola era mais exigente. É mentira. E das grandes. Tenho uma filha de 12 anos no 7.º ano, um filho de 10 no 5.º ano, um filho de oito no 3.º ano, todos no ensino público, e uma filha de quatro no pré-escolar. Aquilo que eles trabalham, comparado com aquilo que eu trabalhava, e aquilo que eles hoje têm de saber, coloca a qualidade da sua educação muitos degraus acima da minha. A geração dos meus filhos vai ser bem mais qualificada do que a dos seus pais – saiba o país aproveitá-la e ter o dinamismo necessário para que eles não tenham de emigrar. Era nesse sentido que falava de exigência. Não se trata de maltratar as crianças, mas de potenciar as suas qualidades e verificar a sua enorme capacidade de resposta quando bem ensinadas e bem estimuladas.
Terceira ideia feita: existe uma coisa homogénea chamada “os professores”. Esta terceira ideia feita está aqui para eu próprio me penitenciar do seu uso em excesso. Houve quem me tivesse justamente criticado por confundir os professores com aquilo a que Mário Nogueira chama “os professores”. Toda a linguagem tem limitações. Claro que cada professor é um indivíduo. Claro que os professores não são um rebanho a balir em uníssono. Claro que a posição dos professores não se confunde com a da Fenprof. Nada faria melhor à educação em Portugal, aliás, do que os professores libertarem-se da imagem de classe homogénea que tenta resistir a qualquer novidade. Conheci professores extraordinários. Conheci professores muito maus. É pena que tenha de chamar a mesma coisa a uns e outros. E que uns e outros recebam o mesmo ordenado no final de cada mês.