Há versos nas ruas de Matosinhos para celebrar a Festa da Poesia
O evento assinala o nascimento e a morte de Florbela Espanca, que teve a sua última morada em Matosinhos. Na 12ª edição, a Festa da Poesia, que continua a a ter como quartel-general a Biblioteca Municipal, expande-se pela primeira vez para fora do centro da cidade.
Há frases perdidas nas ruas de Matosinhos. São versos marcados a stencil que se lêem no asfalto, entre as linhas das passagens para peões, nas imediações da biblioteca municipal e um pouco por toda a cidade. “Minh'alma, de te sonhar, está perdida”. É um dos versos. A autoria é de Florbela Espanca, poetisa que inspirou a Festa da Poesia e dá nome à biblioteca, que é também o epicentro das actividades da 12º edição do evento que arrancou esta quarta-feira e termina na sexta-feira e assinala o nascimento e a morte de Florbela Espanca.
Em doze edições, é o segundo ano da iniciativa “No meio do caminho havia um verso”, cuja finalidade é levar a poesia para a rua, como explica ao PÚBLICO o vereador da Cultura da autarquia, Fernando Rocha. Este ano foram impressos na via pública versos de Florbela Espanca, Alice Sant’Anna, Diego Callazans ou Mariano Marovatto. Sabendo de antemão que esta festa não é procurada pelas grandes massas, é intenção do município fazer chegar esta forma de arte literária a todos os munícipes e visitantes da cidade. De resto, este é o primeiro ano em que a iniciativa se expande para lá do centro de Matosinhos e se estende até outras freguesias do concelho, como é o caso de Custóias ou Senhora da Hora. Com o maioria das actividades a desenrolarem-se na Biblioteca Florbela Espanca, há também este ano uma aproximação a outros espaços da cidade, com iniciativas na Escola Secundária do Padrão, no Internato Nossa Senhora da Conceição ou no auditório da junta de freguesia de Custóias. “Se não vais à poesia, vai a poesia até ti”, diz.
Como no ano passado, a autarquia, que organiza o evento, espera cerca de 3 mil pessoas. À imagem do que foi gasto noutras edições, o certame custa à câmara 20 mil euros, um orçamento que, de acordo com o autarca, é “equilibrado” e próximo dos orçamentos anteriores.
O formato da programação, salvo ligeiras excepções, mantêm-se idêntico, obedecendo apenas à lógica de rotatividade dos convidados. Fernando Rocha destaca, no entanto, a novidade da secção Trava-lengas, um encontro entre as lenga-lengas e os trava-línguas, direccionado para um público mais juvenil, orientado pelo rapper Mundo Segundo, que no arranque do evento apresentou aos mais novos os seus ritmos e rimas. O primeiro dia do evento termina na biblioteca municipal com a participação de Carlos Alberto Moniz, que se propõe resgatar José Carlos Ary dos Santos ou Ricardo Reis.
Até sexta-feira, a Biblioteca Municipal Florbela Espanca receberá leituras públicas e conversas ao redor da vida e obra de poetas contemporâneos, como Manuel Alegre e Nuno Júdice. Esta ano, a secção Poemas Que Te Direi, na quinta-feira, junta a poetisa Maria do Rosário Pedreira e o editor e poeta Manuel Alberto Valente. No mesmo dia, reúnem-se no Poesia no Quarto Escuro, para dizer poemas, Alexandra Gonc¸alves, Miguel Guedes, Sónia Balacó e Jaime Rocha. Como noutras edições, o evento volta a ser palco do lançamento de uma antologia original de poesia, este ano dedicada à novíssima poesia brasileira. Naquela Língua, de onde saíram a maior parte dos versos pintados nas ruas de Matosinhos, tem a coordenação da Francisco José Viegas, que também estará presente.
A programação, que pode ser consultada na totalidade no site da autarquia, encerra na sexta-feira, no Teatro Municipal Constantino Nery, com o espetáculo Portugal dos Poetas, um recital de poesia pela atriz Natália Luiza, que dará a ouvir poemas de poetas como Al Berto, Alexandre O´Neill, Fernando Pessoa, Filipa Leal, Golgona Anghel, Gonçalo M. Tavares, Natália Correia, Ruy Belo e Sophia de Mello Breyner, entre outros. À excepção deste espectáculo, todas as actividades são gratuitas.
Última morada de Florbela Espanca tem novos inquilinos
A Festa da Poesia celebra-se em três dias, mas o dia 8 de Dezembro, considerado o dia grande do festival, assinala o nascimento e a morte de Florbela Espanca. O evento é uma homenagem à poesia, mas é também uma homenagem à poetisa, que na noite de 7 para 8 de Dezembro de 1930, dia em que completava 36 anos, terá tentado suicidar-se, pela terceira vez no mesmo ano, na casa da rua 1º de Dezembro, em Matosinhos. Dessa vez não resistiu. Oficialmente a causa da morte foi apresentada como resultado de um edema pulmunar. No entanto, terá ingerido nessa noite dois frascos de Veronal, um soporífero que tomava para adormecer.
Durante anos, a casa onde Florbela habitou nos últimos anos da sua vida esteve à venda e entregue ao abandono. Hoje, a casa, que pertence a privados, ainda lá está e está ser restaurada para ser usada como habitação.
De acordo com a o vereador da Cultura de Matosinhos, nunca houve qualquer intenção, por parte da autarquia, de comprar a casa. O edifício é património classificado pela câmara, no entanto, nunca foi encontrada pelo município uma função para a mesma. O vereador reconhece Florbela Espanca como uma “figura marcadamente ligada a Matosinhos” e por isso tem sido alvo de “várias homenagens, como é o caso desta festa ou da biblioteca que tem o seu nome”, diz. Recorda que há uns anos a autarquia comprou uma colecção de manuscritos e de cartas da poetisa, mas que “nunca seriam o suficiente para se puder criar um museu”.