Acabem com a conversa dos salários da Caixa
A CGD não precisa de um tipo baratinho e sacrificado. Precisa do melhor nome possível que exista no mercado, ainda que pago a peso de ouro.
A sério que vamos voltar a discutir o salário do presidente da Caixa, agora que Paulo Macedo substituiu António Domingues? Desculpem, mas no actual contexto é uma conversa absurda e um desperdício de energia. Pensem comigo. De um lado temos a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, que alegadamente pode vir a contemplar uma injecção de capital de 5200 milhões de euros. O Expresso escrevia no sábado que Macedo ia entrar no banco com um prejuízo de 3000 milhões de euros em 2016, coisa de fazer cair o queixo a qualquer contribuinte, seja ele português ou chinês. Três mil milhões de euros de prejuízo num só ano é, pura e simplesmente, inconcebível. E, no entanto, o pessoal está de novo entretido a discutir não este valor absolutamente astronómico, e as razões da sua existência, mas se será ou não exagerado Macedo ir ganhar 423 mil euros anuais, precisamente 0,014% do valor que a Caixa se prepara para perder em 2016. O que dividido por 14 meses dá 30 mil euros brutos, qualquer coisa como 15 mil euros líquidos por mês. Um excelente ordenado? Sem dúvida. Um ordenado obsceno? Jamais.
Esta ridícula contradição entre o desinteresse generalizado acerca dos prejuízos da Caixa e o interesse superlativo quanto aos ordenados da administração não faz pingo de sentido. Se Paulo Macedo for realmente o homem certo para o lugar, paguem-lhe o que for preciso e ele que se despache a arregaçar as mangas. A CGD não precisa de um tipo baratinho e sacrificado. Precisa do melhor nome possível que exista no mercado, ainda que pago a peso de ouro. António Costa tem inteira razão naquilo que ontem disse a este propósito: “Fizemos uma remuneração para que a CGD tenha uma gestão profissional e possa recrutar no mercado administradores ao nível de qualquer outro banco. É uma opção política que foi tomada, está mantida e vai ser executada.” Bravo, senhor primeiro-ministro. Ao menos alguém que aceite as leis do mercado e compreenda que para arranjar os melhores, sobretudo numa área em que metade dos banqueiros estão totalmente descredibilizados, quando não a contas com a justiça, não há outra alternativa senão abrir os cordões à bolsa.
Que seja um homem de esquerda a ter de afirmar isto, enquanto os homens de direita cultivam a conversa populista do pobre mas honrado, exigindo salários mais baixos, apenas demonstra que vivemos num mundo muito confuso, onde as categorias políticas tradicionais insistem em fazer o pino. Em 2004, Paulo Macedo teve de tomar posse às escondidas como Director-Geral dos Impostos por causa de um ordenado de 23 mil euros que trazia do BCP. Os nossos bolsos sabem hoje que ele valeu o seu peso em ouro. Passos Coelho, que é suposto ser de direita e conhecer bem Paulo Macedo, que pare de aplicar a mentalidade Manta Rota à Caixa. A direita, a esquerda e o centro precisam de se concentrar naquilo que é realmente importante: o buraco da CGD, suficientemente grande para levar o país com ele.
O próprio Presidente da República vir dizer que mantém “a mesma posição que tinha” quanto aos salários (“se há fundos públicos, não é possível nem desejável pagar o que se pagaria se fosse um banco privado sem fundos públicos”) não ajuda nem um bocadinho. Sim, já todos sabemos que Marcelo é poupado e frugal e que paga as viagens no Falcon. Mas, neste caso, é muito mais importante ele preocupar-se com os 99,986% do bolo que desapareceram do que com os 0,014% que todos sabemos para que barriga vão.