A “pele” da Terra
Estudos pioneiros chamam a atenção para o papel do solo como regulador das condições climáticas do planeta Terra e para a necessidade de investimento em investigação nesta área.
Uma pele cuidada, nutrida e protegida das agressões do meio exterior é o reflexo da nossa saúde. E será que há a mesma preocupação com a “pele” da Terra? A “pele”, ou solo, que reveste os continentes do planeta, sustentáculo da biosfera, é uma camada friável de profundidade variável, que se situa entre a atmosfera e a rocha mãe. É formada por partículas minerais, orgânicas, água, ar e organismos vivos. Também denominado chão (do latim solum), e mais conhecido por terra, o solo é o habitat terrestre com maior biodiversidade. Estima-se que um grama de solo contenha mais de mil milhões de bactérias, mais de 200 metros de hifas de fungos e elevada diversidade de invertebrados. É o solo que nos providencia o alimento, as fibras, as matérias-primas, a paisagem biodiversa que gostamos de fruir, para além de servir de plataforma às actividades humanas. A sociedade humana depende dos serviços do ecossistema que este grande reservatório de carbono e água nos assegura. Não foi, pois, de estranhar que a Assembleia Geral das Nações Unidas tenha aprovado o estabelecimento do dia 5 de Dezembro como Dia Mundial do Solo e o ano 2015 como Ano Internacional dos Solos.
O solo é um recurso praticamente não renovável. A humanidade não tem consciência de que depende dos solos para sobreviver, e a intensidade de uso das explorações agrícolas e florestais à escala global tem tido efeitos nefastos devido a problemas de erosão, contaminação e salinização. Um estudo publicado na revista Nature em 2015, mostrou que a perda de solo por erosão hídrica custa à Europa 18 mil milhões de euros por ano, baseado num custo de recuperação de 18 euros por tonelada. A Política Agrícola Comum (PAC) tem sido parca nas medidas para promover uma verdadeira protecção do solo e em estabelecer práticas compulsivas para evitar a sua degradação. Por outro lado, a União Europeia adoptou uma estratégia global para os solos, centrada nas ameaças que causam a sua contaminação, que afectam a qualidade da água disponível e salienta a necessidade de um ordenamento territorial sustentável.
De acordo com Stavros Dimas, comissário europeu, o solo é o melhor exemplo para aplicar o conceito: “pense global e aja localmente”. Cabe, assim, aos Estados Membros desenvolver políticas e legislação própria para impedir a degradação de um recurso que está cada vez mais vulnerável. Em Portugal, mais de 70% dos solos possuem índice elevado de erosão e apenas 10% têm boa capacidade de uso para a agricultura. A taxa média de erosão é de 4,5 toneladas por hectare por ano, sendo que na zona sul esse valor é quatro vezes maior. Para além da erosão, a impermeabilização, a perda de matéria orgânica e a salinização são processos que contribuem para a perda de solo e, consequentemente, para a desertificação. Portugal é um dos países da Europa com mais área construída por habitante e onde grande percentagem dos melhores solos agrícolas estão impermeabilizados. No entanto, no âmbito do Programa de Acção Nacional de Combate à Desertificação, aprovado em 1999 e revisto e actualizado em 2014, proteger e conservar o solo é um dos objectivos específicos. Nele se inclui o incentivo à adopção de práticas que envolvam mobilizações mínimas, sementeiras directas, ou rotação de culturas, condicionando e controlando os apoios financeiros a projectos que não sigam estas regras.
Do ponto de vista político, falha a exigência de uma monitorização sistemática, o desenvolvimento de um serviço técnico de apoio aos agricultores, o financiamento a projectos de investigação de longo prazo. A recuperação da matéria orgânica dos solos é muito lenta e a sustentabilidade agrícola e florestal depende de conhecimentos baseados em anos de estudo que não são compatíveis com os actuais financiamentos de investigação. A deterioração global do solo é um dos problemas graves que a humanidade enfrenta com a necessidade de produção de alimento para um aumento crescente de população. Para além das práticas agrárias recomendadas e seguidas já por alguns agricultores, a recuperação da matéria orgânica, particularmente pela adição e manipulação de microrganismos, é vista hoje como uma técnica de eco-engenharia inovadora praticada por alguns - ainda poucos - centros de investigação mundiais, entre eles o Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Esta técnica, ao promover consórcios entre diferentes organismos, estimula a biodiversidade do solo, maximiza a produção vegetal, proporciona maior segurança alimentar (menos adição de fertilizantes, herbicidas e/ou insecticidas) e minimiza os impactos ambientais negativos.
Por outro lado, sendo o solo o maior reservatório de carbono do planeta, a erosão, a queima e as práticas agrícolas intensivas estimulam a sua perda para a atmosfera e contribuem para o aumento de gases com efeito de estufa. Um trabalho publicado recentemente na Nature prevê que, nas latitudes mais elevadas, o aumento de um grau de temperatura pode levar a perdas da ordem dos 30 mil milhões de toneladas de carbono para a atmosfera por ano, potenciando o aquecimento do planeta. À latitude de Portugal, com solos com baixo teor de carbono, as perdas poderão ser minimizadas pela maior disponibilização de matéria orgânica e consequente aumento da produção vegetal. Estes estudos pioneiros chamam a atenção para o papel do solo como regulador das condições climáticas do planeta Terra e para a necessidade de investimento em investigação nesta área. Foi este o sentido que as Nações Unidas deram ao lançar um dia como este, para que a “pele” da Terra não fique esquecida. Em Portugal este tema pode e deve ser abordado no âmbito do Compromisso para o Crescimento Verde. Haja, para isso, sensibilização e vontade política.