Só um quarto dos portugueses mais velhos diz ter tido uma vida feliz
Em 16 países europeus, 50,8% dos que têm mais de 50 anos fazem balanço de vida “muitas vezes” feliz. Em Portugal, só 26,9% olha frequentemente para o passado com alegria.
É duro envelhecer em Portugal: apenas um quarto das pessoas com 50 ou mais anos olham frequentemente para o passado "com alegria”, quando são convidadas a fazer um balanço da sua vida, enquanto nos 16 países europeus avaliados mais de metade dos mais velhos sentem "muitas vezes" que têm tido uma vida feliz. Ao mesmo tempo, os portugueses são também os que admitem ter “expectativas mais baixas quanto ao futuro” em comparação com espanhóis, checos e suecos.
Passado difícil, futuro incerto, presente complicado: Portugal é também o país onde os inquiridos na última ronda de um estudo comparado sobre envelhecimento na Europa dizem ter mais dificuldades em fazer chegar o dinheiro até ao fim do mês. Mais ainda do que os cidadãos da República Checa, cujos rendimentos anuais médios são substancialmente inferiores.
São dados que emergem do estudo Envelhecimento em Lisboa, Portugal e Europa: uma perspectiva comparada, recentemente publicado pelo Instituto do Envelhecimento do Instituto de Ciências Sociais, que inquiriu amostras de seniores (50 a 64 anos) e idosos (65 ou mais) de Lisboa e de Portugal, Espanha, República Checa e Suécia. Os dados foram também comparados com os resultados do último inquérito do SHARE (Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe) que abrangeu 16 países, em que foram inquiridas 58.489 pessoas. Já em Portugal, o estudo contou com uma amostra de 2080 participantes com uma média de idades de 66 anos. Em Lisboa, a amostra incluiu 501 inquiridos, com aproximadamente 68 anos.
Do ponto de vista subjectivo, é “indiscutível” que para os portugueses é “mais duro ou mais difícil” envelhecer, comenta o sociólogo e coordenador do estudo, Manuel Villaverde Cabral, que é director do Instituto do Envelhecimento da Universidade de Lisboa. Os dados não deixam margem para dúvidas: só 26,9% dos portugueses mais velhos afirmam ter tido uma vida feliz “muitas vezes” contra mais de metade (50,8%) dos inquiridos nos 16 países.
"Raramente" ou "nunca" foram felizes
Olhando para os quatro países aqui avaliados em detalhe, percebe-se também que são muito mais os espanhóis e até os checos que olham com frequência para o passado com alegria (41,9% e 35,1%, respectivamente). Voltando a Portugal, mais de um quinto dos inquiridos admitem mesmo que só "raramente" ou "nunca" olham para o passado com alegria.
Em síntese, na maior parte das variáveis relativas aos seniores e idosos, Portugal "fica significativamente abaixo do desempenho dos países mais desenvolvidos como a Suécia, mas próximo de um país como Espanha e frequentemente acima de um país do alargamento a Leste como a República Checa". Sem surpresa, a população inquirida na cidade de Lisboa apresenta em geral valores mais favoráveis do que a do resto do país e, mesmo frequentemente, acima da própria média europeia. É nos indicadores mais subjectivos que os portugueses pontuam pior.
Os resultados comprovam também que o nível de escolaridade acaba por condicionar de forma determinante a qualidade do envelhecimento. Mais anos de escolaridade tendem a corresponder a maior satisfação com a vida, a melhor percepção do estado de saúde e a um maior envolvimento em actividades sociais.
O grau de escolaridade tem um grande peso no curso de vida. E logo aqui os portugueses surgem numa situação desfavorável: estudaram menos de seis anos, em média, quando nos outros países europeus a média é dez anos. Já os lisboetas frequentaram a escola durante cerca de oito anos e há muito mais seniores e idosos que completaram o 12.º ano, o ensino superior e o ensino pós-graduado do que no resto do país.
Mas se os habitantes da capital estão em melhor posição em quase todas as variáveis analisadas no estudo, a sua situação é “marcadamente pior” do que a média europeia e do que o próprio padrão nacional nas questões específicas da mobilidade e das capacidades funcionais, como por exemplo andar, subir escadas, fazer compras. “As limitações físicas ao desempenho de actividades do dia-a-dia são em Portugal muito superiores à média europeia e em Lisboa ainda mais, requerendo esta realidade apoios específicos da parte das autarquias”, concluem os autores do estudo.
Este trabalho, defende Villaverde Cabral, reúne “uma informação quase inesgotável para a aplicação de políticas de todo o tipo dirigidas aos mais velhos, tanto ao nível de Lisboa como do país em geral”.
Poucos dizem ter boa saúde
Um indicador em que Portugal se destaca também pela negativa é o da auto-percepção do estado de saúde. Tanto em Lisboa como em Portugal no seu conjunto, apenas cerca de 40% dos inquiridos declararam que a sua saúde é boa, enquanto para o conjunto da população dos vários países estudados a percentagem é de 60%.
Sem surpresa e no que respeita ao estado de saúde mental, Portugal surge igualmente com piores resultados: 36% dos inquiridos com 50 ou mais anos apresentam sintomas de depressão, de fadiga, dificuldade de dormir, pessimismo, sobretudo as mulheres, comparativamente com 31% no conjunto do estudo. Toda esta “morbilidade tendencial” está ligada a um consumo de medicamentos “claramente mais elevado em Portugal”, mas “não tem sido objecto de investigação específica”, lamentam os investigadores.
De resto, mais de metade da população (51,9%) acima dos 50 anos está reformada em Portugal e tem em média dois filhos. Portugal é o país com mais casados, Espanha o que tem mais solteiros e mais viúvos, e é nestes dois países que os avós têm menos netos.
No trabalho, os suecos são quem menos horas passa por semana no emprego, em média (33 horas), enquanto nos outros países a carga horária oscila entre 36 e 37 horas semanais. Os suecos são também os que estão mais satisfeitos com o seu trabalho e os que deixam de trabalhar mais tarde, aos 62 anos em média (58 anos é a média para Portugal).
Faltam geriatras
Apesar de ser um dos países mais envelhecidos da Europa e até do mundo, Portugal não tem geriatras, observam os autores do estudo. Esta especialidade “ainda não é reconhecida em Portugal pela Ordem dos Médicos, ao contrário do que se passa na generalidade dos países europeus”, lembram. Seja como for, e apesar das queixas e do estado de saúde percepcionado como mau, o recurso a consultas de medicina geral e especializadas não é mais elevado em Portugal do que nos outros países. O que é maior é o consumo de medicamentos.
Pela positiva, enfatiza-se no estudo a elevação progressiva dos níveis de escolaridade da população portuaguesa em geral: “A gradual substituição de gerações trará consigo automaticamente uma melhoria da literacia em geral, a qual não deixará de se repercutir de forma positiva na condição idosa”.