Matteo Renzi demite-se após derrota no referendo
O primeiro-ministro italiano defende que "quando se perde, não se finge que não aconteceu nada".
"Acredito na democracia. Por isso, quando se perde, não se finge que não aconteceu nada", disse Matteo Renzi, falando em directo aos italianos a partir do palácio do Governo.
"Demos aos italianos uma oportunidade de mudança. Era uma oportunidade simples e clara", defendeu, falando sobre a reforma constitucional chumbada este domingo em referendo. "Mas não conseguimos obter a confiança dos nossos compatriotas. Todas as responsabilidades são minhas. Perdi eu."
Renzi anunciara que se demitiria caso estas mudanças à Constituição - que alteravam essencialmente os poderes das duas câmaras do Parlamento, diminuindo os do Senado e reforçando os da Câmara dos Deputados, assim como o executivo - não fossem aprovadas. "O meu Governo termina hoje e eu demito-me."
"Eu perdi", repetiu o líder do Partido Democrático, de centro-esquerda, quando eram 00h30 em Itália, hora e meia depois do encerramento das urnas. "Na política italiana nunca ninguém perde. Depois de uma eleição, pode ganhar-se ou não, mas nunca ninguém assume ter perdido." Pois Renzi diz querer ser diferente, num discurso em que não fechou a porta a um regresso.
"Chegará o dia em que voltaremos a festejar uma vitória. E nesse dia, vamos recordar as lágrimas", continuou o político de 41 anos, um líder jovem num país onde os políticos costumam manter-se no activo até uma idade bastante avançada. Silvio Berlusconi, por exemplo, que acaba de anunciar o "regresso pleno" à liderança do seu partido, a Força Itália, tem 80 anos.
Quando estavam escrutinadas 51,100 das 63,100 secções de voto, o "não" tinha 59,6% (15,5 milhões de votos), enquanto o "sim" reunia 40,4% (perto de 10,5 milhões de votos).
Numa intervenção em que explicou que segunda-feira vai apresentar a sua demissão ao Presidente, Sergio Mattarella, Renzi defendeu ainda os seus menos de três anos de governação. E disse-se orgulhoso de Itália, "o país mais belo do mundo".
Criticou ainda a oposição, que fez toda campanha pelo "não". "Fazer política contra alguém é muito fácil, fazer política por qualquer coisa é mais bonito."
O chefe de Estado vai aceitar a demissão de Renzi e em seguida consultar os partidos com grupo parlamentar, onde se inclui o Movimento 5 Estrelas, o partido anti-partidos de Beppe Grillo, que já controla câmaras como as de Roma e morde os calcanhares do Partido Democrático, de Renzi, nas sondagens.
Conhece-se a vontade de Mattarella e do PD, e sabe-se que o Força Itália irá com grande probabilidade aceitar essa solução: um governo técnico para assegurar a liderança até 2018, quando está prevista a realização de legislativas. No mandato desse governo vai incluir-se o encargo de elaborar uma nova lei eleitoral - a actual, em vigor desde Julho, está prestes a ser considerada ilegal pelo Tribunal Constitucional.
Quem se segue?
Se a derrota tivesse sido menos significativa, ou a participação tivesse sido baixa (foi de 68%), Mattarella podia reconduzir Renzi. Assim, os nomes mais referidos são o do ministro das Finanças, Pier Carlo Padoan, e o do presidente do Senado, Pietro Grasso, ex-magistrado anti-corrupção. Padoan é um economista que já foi director do Fundo Monetário Internacional para a Itália.
Recorde-se que esta solução não é inédita. Há cinco anos, Berlusconi era afastado sem eleições e substituído por Mario Monti, economista e ex-comissário europeu, à frente de um governo de tecnocratas.
Renzi, aliás, também não chegou ao poder em eleições, mas através de um voto no interior do partido, em que retirou a confiança ao então primeiro-ministro, Enrico Letta, em Fevereiro de 2014, um ano depois das últimas legislativas.
Na abertura dos mercados asiáticos, o euro caía para 1,0506 dólares, o valor mais baixo em 20 meses ou desde Março de 2015 (quando esteve nos 1,0458). Na sexta-feira, Padoan tentou acalmar os mercados garantindo que “não há risco de terramoto financeiro” e antecipando em caso de vitória do “não” “umas 48 horas de turbulência”.