Se Hofer vencer, isso não transforma a Áustria num país de extremistas
O director da revista austríaca Datum, Stefan Apfl, diz que o país entrará em território desconhecido se o candidato do FPÖ (partido da LIberdade, extrema-direita) vencer.
O director da revista austríaca Datum, Stefan Apfl, avisa, numa entrevista telefónica com o PÚBLICO, para o risco de se julgar o país por uma escolha, seja esta eleitoral ou de um concurso Eurovisão.
Quão forte é o poder de um Presidente na Áustria?
Há dois planos, o prático e o teórico. Na prática, o Presidente tem um papel simbólico e representantivo, como instância moral para dentro e como o mais alto embaixador para fora. No plano teórico, a Constituição dá-lhe muito mais poder do que os presidentes têm usado. O Presidente pode, a qualquer altura, demitir o Executivo. Neste contexto houve nos últimos meses, pela primeira vez, uma discussão sobre os poderes teóricos do Presidente e se estes deveriam ser reduzidos.
O que poderá acontecer com um Presidente Hofer?
A frase mais popular da campanha foi “vocês vão admirar-se com tudo o que vai ser possível”. E 2016 já foi um ano em que nos admirámos com tudo o que foi possível, do “Brexit” a Trump. Com um Presidente Hofer estaríamos em território desconhecido. Seria a primeira vez desde a II Guerra Mundial que um nacionalista de direita teria um cargo de liderança no Estado. Nem tudo o que se diz na campanha se transpõe mais tarde para a realidade, mas é de facto difícil fazer um prognóstico sobre o que poderia um Presidente Hofer fazer. Os seus apoiantes esperam uma mudança de sistema, mas não é claro como; os seus opositores temem cenários horríveis em que tudo seria possível. Creio que não é possível neste momento dar a esta pergunta uma resposta séria.
Quais as diferenças entre a situação de hoje e os anos 1990, quando o partido então liderado por Haider foi o segundo mais votado nas legislativas?
Jörg Haider chegou ao poder através de eleições, em 1999, com o FPÖ, que foi o primeiro partido de extrema-direita a obter 27% dos votos, entrando numa coligação de Governo. Isso foi na altura algo de novo. A Europa reagiu com choque, impondo sanções. Desde então, muitos outros conseguiram o mesmo de uma forma ou de outra, veja-se a Holanda ou a Polónia. Quando isto acontece pela décima vez, há uma normalização do inimaginável, nomeadamente de forças da direita anti-sistema e por vezes anti-semita a chegarem ao poder. Hofer não será o último.
Quais as razões para este fenómeno num país com uma situação económica boa, um desemprego baixo, poucos conflitos sociais?
Na Áustria há a sensação de que as coisas não estão melhores. O desemprego é baixo, mas é mais alto do que no passado. Os conflitos sociais são muito raros, mas maiores do que no passado. Algo mudou profundamente nos últimos cinco, dez anos. Havia a promessa de que a geração seguinte estaria melhor do que a anterior. Isso deixou de existir após a crise financeira [de 2008].
O que tem faltado na visão de fora sobre a Áustria?
O que define um país, uma sociedade, é muito complexo, há muitos critérios que se podem seguir. Uma eleição pode ser um, mas é muito limitado.
Se Alexander Van der Bellen ganhasse esta eleição, provavelmente dir-se-ia no estrangeiro: a Áustria tem um Presidente dos Verdes, é um país aberto ao mundo, liberal, a olhar com esperança para o futuro, mesmo se ele ganhar com apenas 51%. Se Norbert Hofer vencer com 51%, dir-se-á no estrangeiro que a Áustria é um país de extrema-direita, que quer sair do consenso europeu e tomar uma via isolacionista. Ambas não são verdade. Um exemplo: Conchita Wurst. Depois de ter vencido a Eurovisão [na Áustria, em 2014], a Áustria começou a ser vista lá fora como um país extremamente liberal, pioneiro na defesa dos direitos dos homossexuais e transgénero. Mas também isto é apenas em parte verdade: ao mesmo tempo, a Áustria é um país muito conservador e homofóbico.