"Ferreira Gullar era o grande poeta brasileiro"

O editor e escritor Jorge-Reis fala sobre a obra e a importância de poeta e escritor brasileiro, "um homem completamente comprometido com a arte e com o seu tempo na arte".

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Gullar é o que era Herberto Hélder na poesia portuguesa, uma constelação, uma ilha Greg Salibian/Flickr

“Acho que Ferreira Gullar foi durante muitos anos, depois da morte do Drummond e do João Cabral [de Melo Neto], o poeta brasileiro, o grande poeta brasileiro. Houve uma altura na última década em que, quando se falava de um Nobel para o Brasil, era sempre ele o referido. Isto diz muito do Ferreira Gullar e, ao mesmo tempo, da importância que ele tem, não só na literatura, mas na arte. Foi dramaturgo, ensaísta, artista, roteirista de telenovelas. Era um homem completamente comprometido com a arte e com o seu tempo na arte, o que se vai notar muito nos elogios que se farão agora à sua obra, na literatura e na sociedade brasileira”.

“Salvo as devidas distâncias do ponto de vista estético, de temáticas e de aproximação, não de qualidade, Gullar é o que era Herberto Hélder na poesia portuguesa, uma constelação, uma ilha. Não tem escola, é uma ilha, uma voz singular, única. Embora se diga sempre que morre um poeta que a sua voz é singular, neste caso é mesmo. Não pertence a uma escola porque ele criou a sua própria escola, literatura e poesia. Ele dizia que queria que em cada poema inventasse a sua própria língua. Uma língua que, paradoxalmente, contém a estranheza e a simplicidade. O último livro dele tinha o título Em Alguma Parte Alguma (2010). Muito simples, muito imediato, muito fácil, no bom sentido, e ao mesmo tempo muito estranho, muito passível de pensarmos sobre ele.”

“A obra do Gullar é uma obra escassa. É grande porque os livros são grandes, mas ele demorou 11 a publicar, desde o Muitas Vozes, em 1999, até o Em Alguma Parte Alguma. É o exemplo do tempo que demorava a construir um livro de poemas. Era muito maturado, muito trabalhado”.

“[Olhando para toda a sua obra] É impossível não falar do Poema sujo, de 1976, até pela importância que teve no Brasil. Chegava policopiado ao Brasil e chegou com sucesso aos meios literários brasileiros, ainda com ele no exílio. É tão vasta [a obra] e nota-se que há uma continuidade, uma estética, uma linguagem. Um poeta enormíssimo, o Mário Cesariny, a maior parte do que publicou nos seus últimos 30, 40 anos, são recolecções dos livros que publicou nos anos 1940 e 1950. O Gullar continuou sempre a publicar grandes livros”.

“Há uma obra que me agrada muito e que nem é de poesia. Conheci o Gullar, privei com ele um pouco e tive a honra de o ter no lançamento do meu livro [A Definição do Amor] há seis meses, no Brasil. Ele era muito arisco para sair, portanto foi uma honra quando soube que estava lá o Ferreira Gullar. Talvez por isso tenha um grande apreço por uma obra mais biográfica, que editei há seis anos, que se chama Rabo de Foguete, a biografia dos anos de exílio dele. É muito bem escrito, muito interessante e muito fresco do tempo narrado”.

Jorge Reis-Sá, editor e escritor

Depoimento recolhido por Mário Lopes

 

     

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