Era uma vez... um livro para as crianças que não vêem
Associação Nacional de Intervenção Precoce lançou o primeiro livro multissensorial. A expectativa é que haja uma segunda edição, mas para isso é preciso financiamento.
O papel ganha vida e formas. A conversa sai das folhas para as mãos. É assim que o primeiro livro multissensorial consegue dar às crianças com deficiência visual que não saibam ler em braille a oportunidade de conhecer a história que nestas páginas é contada. Chama-se O que vês, o que vejo… e foi lançado no mês passado, pela Associação Nacional de Intervenção Precoce (ANIP). Foi produzido pela editora francesa Les Doigts Qui Rêvent, que trabalha na produção de livros tácteis deste género. Este é o primeiro a chegar a Portugal.
O objectivo, explica Viviana Ferreira, psicóloga e directora técnica na ANIP, é “que as crianças até aos 6 anos, que não sabem ler ainda em braille, tenham a oportunidade de, através das ilustrações tácteis, dos bonecos com braços que saltam da folha e se mexem, de um sol que se empurra da esquerda para a direita e de um girassol que gira”, fazer “uma leitura da imagem, tendo em conta aquilo que o texto lhe propõe.”
Acima de tudo, reforça a psicóloga, que coordena o projecto, este livro tem uma grande componente de inclusão: “Queremos um livro que promova a partilha, o encontro de perspectivas da criança que veja e da criança com cegueira tal como o texto sugere.” Este livro retrata, assim, uma conversa entre duas crianças sobre um dia comum. Está lá o mar, em relevo, a lã de uma camisola, um coração, o pôr-do-sol e em tudo as crianças podem tocar.
Para já, porém, a ANIP só conseguiu imprimir 100 exemplares da obra. “A produção do livro andou entre os 90 e os 100 euros, porque foi feito com materiais especiais e à mão, o que encarece os custos”, explica a psicóloga. O próprio braille “é feito de um material diferente do dos livros normais, que abatem ao final de algum tempo. Este é feito com uma resina para nunca vai abater e ser mais suave ao toque”.
Preço mais acessível
Ao contrário do que acontece com as edições da Les Doigts Qui Rêvent, “onde os livros custam entre os 70 e 90 euros”, a ANIP quis fazer um preço mais baixo, porque “cá esses preços são incomportáveis para os pais, que já têm muitas despesas associadas à doença dos filhos”. Está à venda por 35 euros e já existem poucos disponíveis.
“A adesão positiva das pessoas ao livro dá-nos confiança para chegar a um financiador e dizer que há mais pessoas que o querem mas que já acabaram estes 100. Se houver financiamento seguramente que nos aventuremos numa segunda edição”, explica.
O financiamento para este projecto chegou através do Prémio BPI Capacitar ao qual o Centro de Apoio à Intervenção Precoce na Deficiência Visual, que é uma das estruturas desta associação, se candidatou em 2014. Receberam uma menção honrosa que lhes permitiu criar a Oficina de Literacia Emergente para a Cegueira, onde a associação tinha “um orçamento limitado”, que “nem foi suficiente” para cobrir a produção.
“Não queríamos que fosse mais um recurso que só tivesse braille e umas ilustrações em relevo.” No entanto, o braille está presente porque “as crianças com cegueira devem ter contacto com o braille, não para o saber ler, mas para perceber que aquilo são letras que representam palavras e conceitos para depois mais tarde quando aprenderem o braille em contexto do primeiro ciclo entendam”, destacou Viviana Ferreira.
Percebendo a importância que as histórias têm na infância, esta oficina quis criar algo que fosse mais do que “um livro em branco, amontoado de folhas” para as crianças com deficiência visual. Pensemos nos contos infantis. O que é que vemos? Cor, muitos desenhos criados à medida da idade delas, pouco texto com palavras simples. Imaginemos agora uma criança com cegueira e que ainda não aprendeu a ler em braille. Como vai poder ler? Tem de ser a “tocar” a história que ela vai poder “ler”.
Texto editado por Pedro Sales Dias