“Não se rejeitam no abstracto” compromissos com “partidos da burguesia”
O líder do PCP reafirma a identidade, a natureza, o projecto e o ideal do partido e garante que isso não impede compromissos concretos como o que está expresso no entendimento com o PS.
Afirmando que a identidade, a natureza, o projecto, o ideal do PCP se mantém o mesmo e que “nada altera” essa “matriz”, Jerónimo de Sousa admite que o entendimento do PCP com o PS e o apoio ao Governo possa gerar “confusão e ilusões”. Mas defende que um partido comunista pode fazer este tipo de acordos, por motivos políticos concretos e conclui: “Um partido com essas características que referiu pode ou não fazer compromissos com outros partidos, incluindo com partidos da burguesia? E nós consideramos que os compromissos não se rejeitam no abstracto”.
O PCP continua a afirmar-se como um partido marxista-leninista, que acredita “na concepção materialista e dialéctica da história”, que se assume como vanguarda da classe operária e de todos os trabalhadores, um partido revolucionário e internacionalista. O que é que isto quer dizer hoje?
Quer dizer isso mesmo. Tendo em conta hoje a realidade, nada alterou nem nada altera a matriz deste partido, a sua identidade, a sua natureza, o seu projecto, o seu ideal. O capitalismo está mergulhado numa profunda crise, numa crise estrutural. Hoje, podemos dizer que a humanidade é confrontada com perigos imensos, incertezas em relação a desfechos que possam ter a ver com a guerra, com as situações mais explosivas no planeta. Essa crise estrutural do capitalismo, que se tem vindo a agravar, da qual não saíram desde 2008, demonstra que se estão a acumular forças, no plano objectivo, para a transformação económica e social. Naturalmente, reconheço, as condições subjectivas não estão criadas. Mas em termos de actualidade e validade, continuo a considerar que a vida actual, a situação internacional confirma a justeza deste posicionamento, orientação e matriz do PCP.
Simultaneamente, sobre o partido com quem o PCP tem um entendimento de governação que é o PS, aparece caracterizado nas Teses, como um partido subordinado “ao processo de integração capitalista da União Europeia e aos interesses do capitalismo monopolista” e dizem também que o Governo tem uma “política de direita”. Não teme que esta contradição prejudique ou incomode a imagem pública do PCP? As pessoas não poderão pensar que o PCP cede nos princípios e nas convicções político-ideológicas?
O PCP não cede nem confunde. Primeiro, não houve nenhum acordo para um governo de esquerdas, para um acordo interparlamentar. Não. Existe uma nova realidade, uma nova relação de forças na Assembleia da República.
Sobre isso já falámos.
E dissemos que não perderíamos nenhuma oportunidade para criar condições para uma vida melhor para os trabalhadores e para o povo. Simultaneamente, sublinhámos que essa posição conjunta, que na altura foi aprovada, não esbateria diferenças e divergências, nem tolheria a iniciativa, a independência e a autonomia de cada um dos partidos. Tinha que fazer este registo porque pode dar a ideia que fizemos um acordo sem princípios.
Mas não teme que a população não compreenda essa dualidade?
Admito que possa haver confusão e ilusões. Aliás, partimos para esta batalha de esclarecimento, agora designadamente na fase de preparação do Congresso e, no essencial, houve uma larga compreensão do nosso posicionamento. Um partido com essas características que referiu pode ou não fazer compromissos com outros partidos, incluindo com partidos da burguesia? E nós consideramos que os compromissos não se rejeitam no abstracto.
Em casos concretos, podem existir?
Podem existir. E porque esse compromisso significaria criar melhores condições para os trabalhadores e para o nosso povo, então o PCP assumiu esse nível de compromisso que naturalmente não amarra em relação à nossa independência, à nossa autonomia. Porque podíamos naturalmente ter a tese: não, o PS que se desenrasque, PSD e CDS façam lá governo se quiserem, nós pomo-nos de fora. Obviamente, levaria à tal posição de quanto pior, melhor, que nós não acreditamos.
A questão é se o memorando não foi uma amarra? Até que ponto é que o PCP precisava deste memorando, onde, necessariamente estando fixados os parâmetros da governação para a legislatura o PCP é obrigado a “engolir sapos”?
Não. Fez uma apreciação muito rígida em relação ao nosso posicionamento. Queria lembrar uma questão de fundo, quando foi a questão do Banif, onde o nosso voto seria decisivo e nós votámos contra a posição do Governo. O PSD acabou por deitar a mão.
Foi o único momento.
Já temos tido posições, mesmo no Orçamento, uma ou duas posições onde não houve de facto [aprovação], como acontecerá no futuro.
Como secretário-geral não sente que o PCP esteja a “engolir sapos”?
Não, não. Sempre de uma forma consciente, sempre determinados por esse princípio da questão central, como é que nós garantimos avanços, direitos, vida melhor para o meu povo, para o meu país. Naturalmente, nós não temos nenhum sentimento de termos errado nesta opção.