Azulejos, mármores, janelas e caixas de luz revelados no primeiro AsSALTO no Porto

Iniciativa que pretende revelar edifícios anónimos mas com história arrancou no Porto esta quarta-feira

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Um dos desenhos feitos pelos visitantes
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E um dos testemunhos
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Nelson Garrido
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Mónica anda de papel e lápis em punho, procurando superfícies em relevo para decalcar. Fábio instalou-se num banco baixo, voltado para uma janela com três vidraças que mostram as folhas amareladas de uma das árvores da rua. Paul escreve palavras largas no caderno que carrega. Aos poucos, recorrendo a diferentes suportes, o interior do n.º 605, na Rua de Sá da Bandeira, no Porto, vai ficando registado. Está em curso o primeiro AsSALTO da cidade.

As portas do prédio dos anos 40 do século XX (e não dos anos 20, como tínhamos escrito por erro) abriram-se ao meio-dia, como previsto, e os primeiros participantes na actividade, nascida no âmbito do projecto A Colecção de Desenhos. Escola de Arquitectura do Porto, do Centro de Estudos da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP) são recebidos no átrio pelos doutorandos Carlos Machado e Moura e Rui Neto, dois dos mentores do AsSALTO, em conjunto com a professora auxiliar de Desenho da FAUP, Noémia Herdade Gomes, que surge pouco depois, do interior do prédio.

Rui Neto traça as linhas gerais que vão gerir a tarde. Que não tenham pressa, porque o objectivo é desenhar ou escrever sobre o que vão encontrar, e isso precisa de tempo, saboreando a descoberta. Que não se preocupem com a qualidade, porque ninguém vai em busca de excelência, mas apenas de um registo pessoal que preserve a memória do que experienciam. “Queremos dar protagonismo a edifícios que de certa forma são anónimos, passam despercebidos”, sintetiza. Noémia frisa: “Isto não é um open house. Produzam algo, porque gostávamos de publicar os vossos trabalhos”, diz, antes de todos se fazerem às escadas, em busca das portas abertas nos 3.º e 4.º pisos.

Os primeiros participantes circulam pelas várias salas do que já foi um piso de escritórios – o 3.º andar – e que será agora transformado em apartamentos. Há quem ensaie umas fotografias com o telemóvel, apesar de Noémia ter avisado que preferia que não o fizessem e quem faça perguntas sobre o prédio mandado construir pelo empresário Delfim Ferreira.

É só quando chegam ao apartamento 4.º Direito que os participantes se soltam. Inês Amorim, a proprietária do prédio, que permitiu o AsSALTO antes que comecem as obras de reabilitação, diz que este é o apartamento que mais mantém os traços originais. Um passeio pelo interior revela a cozinha revestida a azulejo e com uma banca em mármore, a despensa de prateleiras forradas, as portas interiores trabalhadas, as casas de banho com mármores e pequenos espelhos ainda pendurados nas paredes.

A partir daqui, cada um escolhe o seu espaço para deitar mãos à obra. Mónica Santos, realizadora de 35 anos, começa por decalcar o vidro martelado da porta da cozinha. E vai, casa fora, de folha branca de papel na mão em busca de outras superfícies para continuar o trabalho. “É uma oportunidade de ver espaços interiores a que geralmente não temos acesso e de perceber um bocadinho mais desta época”, diz.

Paul Summers, guia de turismo de 48 anos, com o caderno apoiado numa esquina do corredor, prefere escrever. “Não sou grande desenhador”, diz. Soube da iniciativa pelo PÚBLICO e o seu interesse pela história e arquitectura do Porto fizeram o resto. “Costumo realizar visitas a vários espaços e quero conhecer melhor a cidade, além de ter um grande interesse pela época entre as décadas de 40 e 70”, diz.

Neste primeiro edifício a receber um AsSALTO diz-se surpreendido com as caixas de luz interiores e com as escadas de apoio traseiras, “pela modernidade”, diz. Além disso, ele que é de ascendência inglesa e que se lembra do palacete dos avós, antes do edifício ser transformado nos anos 50, reaviva neste apartamento velhas memórias. “Há aqui alguns elementos em que me revejo”, diz.

Fábio Fonseca, 19 anos e estudante da FAUP preferiu o sossego de um dos escritórios ao fundo do corredor do 3.º piso. É lá que se instala, voltado para a janela. “Projecto como este são muito interessantes, já tivemos outras experiências do género e gostei bastante, porque envolvem edifícios que não vão voltar a ser os mesmos. Acho importante captar a essência dos edifícios, dando a conhecer às pessoas como eles eram antes da mudança”, diz. Escolheu aquele canto sossegado, explica, porque gostou “da maneira como a janela emoldura a paisagem lá fora”.

A iniciativa AsSALTO começou esta quarta-feira no Porto e deverá repetir-se, sem calendário pré-definido, noutros espaços na cidade ou fora dela. O nome, como explicou Carlos Machado e Moura, remete para a ideia de um abrir de portas que geralmente estão fechadas, mas também de um assalto à memória e ao imaginário. Mas, estes “assaltos” só acontecem com o consentimento dos proprietários e Inês Amorim, que abriu as portas dos dois pisos, é mesmo quem se mostra mais entusiasmada com a iniciativa. “Acho importantíssimo que se faça isto, porque está-se a acabar tudo, nunca mais temos memória destas atmosferas. Espero que se faça em mais sítios, porque há muitos que vão acabar por desaparecer e é uma pena”, diz.

As obras no edifício começam no próximo mês e devem estar concluídas no Verão de 2017. Inês Amorim diz que irá tentar preservar o máximo possível da estrutura original, mantendo apartamentos T4+1 nos 4.º e 5.º pisos e transformando o piso de escritórios do 3.º piso em T2 e T3.

Quando as portas se fecharam ao primeiro AsSALTO, entre 50 a 60 pessoas tinham passado pelo local, dizem os mentores. O próximo será anunciado na página da iniciativa, em assalto.pt. 

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