Existencialismo de passerelle
Animais Nocturnos, no meio de imensos queixumes sobre o “vazio” das vidas dos artistas ricos e famosos, limita-se a ser uma paupérrima variação sobre a história da pobre menina rica, enclausurada na sua luxuosa vivenda mas muito, muito infeliz.
Sim, sim, A Single Man era um filme sólido e a vários títulos surpreendente, mas a julgar por Animais Nocturnos nem o próprio Tom Ford sabe como lá chegou.
Nas mãos de um melhor realizador, isto até podia ser uma vanitas, uma crítica do vazio mortal das vidas dos que ocupam o lado de cima da sociedade do espectáculo. Mas é preciso talento para criticar usando a linguagem da coisa criticada – e Animais Nocturnos, no meio de imensos queixumes (verbalizados) sobre o “vazio” das vidas dos artistas ricos e famosos, limita-se a ser uma paupérrima variação sobre a história da pobre menina rica (Amy Adams), enclausurada na sua luxuosa vivenda mas muito, muito infeliz.
E depois nada funciona: a “leitura” (o manuscrito que o ex-marido enviou à personagem de Adams) é coisa que Ford não sabe filmar, ou não quer, e passa logo para a recriação da narrativa lida por Adams, num exercício de ficção dentro da ficção super-básico (não é bem Raul Ruiz, Tom Ford) e levado ao extremo do ridículo nas cenas finais.
E se a ficção dentro da ficção é a enésima viagem pelo comboio-fantasma sulista (caricatura involuntária, louve-se a pertinência sociológica, do pavor que da América de Trump têm os americanos urbanos e cosmopolitas), ainda é aí que está aquilo que vale mesmo a pena ver neste filme: Michael Shannon, a fazer o que costuma fazer, mas ainda com suficientes truques na manga para adiar o momento em que fatalmente nos cansaremos dele.