Quer aprender a prever o futuro? Leia este livro
Afinal existem mesmo pessoas capazes de antecipar o futuro. Philip Tetlock, um cientista social que estuda há três décadas os melhores nesta área, apresenta ideias para desenvolver capacidades de superprevisão.
A futurologia é uma ciência? É, mas chama-se previsão. E é a área a que se dedica Philip Tetlock, cientista norte-americano que há 30 anos estuda a forma como se consegue prever de forma segura o futuro. O autor começou por analisar as previsões dos especialistas da política e da economia, para concluir que a margem de erro das suas previsões é, em média, tão grande como a do cidadão comum; depois dedicou-se a encontrar – e a entender – como funcionam os “superprevisores”, aqueles que têm uma margem de acerto nas previsões muito acima da média e que são efectivamente capazes de antecipar o futuro. As conclusões são surpreendentes: estas pessoas abordam a informação de forma eclética, têm capacidade de autocrítica, atenção ao detalhe e menos certezas do que os ditos “especialistas”, que acabam por errar muito mais. Embora inteligentes, não são luminárias – são pessoas cuja curiosidade e diversidade de pensamento permite maior acerto a traçar cenários futuros. Professor da Universidade da Pensilvânia (EUA), Tetlock esteve em Lisboa, a convite da Fundação Francisco Manuel dos Santos, para um debate e para o lançamento de Superprevisores – uma obra de ciência popular com interesse geral.
Quando escreveu o livro, definiu-se como um optimista prudente. Mantém esse retrato?
Sim, creio que ainda sou, mesmo que os acontecimentos em 2016 façam com que esteja mais inclinado para a prudência. Creio que estamos a caminhar numa boa direcção: a de uma maior racionalidade. Mas é um processo lento.
Se falasse com estudiosos antes da Primeira Guerra Mundial, encontraria muitos optimistas prudentes. Eles pensavam que a Europa estava tão interligada com os mercados e o comércio que não era possível que as pessoas se começassem a matar umas às outras novamente. Portanto, será que eu poderei estar igualmente errado, no sentido em que possa haver uma guerra terrível que envolva armamento nuclear nos próximos anos? Sim, estaria terrivelmente enganado. Mas tenho a sensação de que, neste momento, estamos a caminhar na direcção certa.
Com o resultado no referendo britânico e nas presidenciais norte-americanas os europeus ficaram mais ansiosos com o futuro – e isso implica a capacidade para entender o que aí vem. Ao mesmo tempo, o seu livro assume que não precisamos de génios para fazer previsões correctas. Mas precisamos de especialistas?
Creio que precisamos de pessoas com opiniões diversas que, de forma sincera, apresentem os seus melhores argumentos e que mostrem quais são as melhores probabilidades, em vez de usarem palavras evasivas, como “possibilidade”.
Uma das surpresas no seu livro é o assumir que a inteligência e o conhecimento têm um impacto menor na capacidade de fazer uma previsão adequada, explicando que a curiosidade e o interesse são as características essenciais de um bom analista.
É possível ter um QI bastante elevado e ter um espírito pouco aberto ou não ter curiosidade e estar errado? Sim, claro. Não digo que a inteligência seja um impedimento para se estar certo, mas, certamente, não é uma garantia.
Mas a especialização num determinado tópico é uma maneira de ter mais conhecimento sobre o futuro?
O que observamos é que as previsões se tornam mais correctas muito rapidamente, numa primeira fase, a partir do momento em que se passa de não ter conhecimento para ter o conhecimento que um leitor atento de um jornal de alta qualidade tem. Nesse momento, verifica-se um aumento significativo. Depois, passa-se de um leitor atento de um jornal de alta qualidade para um especialista altamente qualificado. As previsões tornam-se um pouco mais correctas, mas a diferença não é tão grande como quando se passou de não ter conhecimento para o conhecimento de um leitor atento. E conforme se vai absorvendo mais e mais conhecimento, os resultados, em proporção, da obtenção desse conhecimento diminuem.
Outro aspecto que refere no livro é que, até agora, a inteligência artificial não conseguiu chegar ao nível dos “superprevisores”. No entanto, existem grandes investimentos em inteligência artificial – acredita que as previsões que já estão a ser feitas fazem sentido?
Mesmo aqueles que estão envolvidos no desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial não acreditam que exista uma base para fazer uma previsão neste momento. Se olharmos para o tipo de questões que foram colocadas nos torneios em que participámos, em que apareceram os “superprevisores”, vemos que a inteligência artificial ainda não está preparada para lidar com essas questões. E perguntámos a David Ferrucci, o técnico da IBM responsável pelo sistema [supercomputador] Watson, quando é que ele pensava que a inteligência artificial estaria preparada para este tipo de questões e a sua resposta foi: “Talvez em 20 anos.”
Os resultados inesperados nas eleições aumentam a incerteza sobre o futuro. Devemos começar a utilizar mais “Não sei” ou “Não faço ideia” quando tentamos prever o futuro?
É interessante… Usar 50%, numa escala de 0% a 100%, é sinal de que não se é um bom “previsor”. Os melhores tentam superar esse valor. Tomemos o exemplo da probabilidade de divórcio de um casal recém-casado. Um amador dirá 50%. Um “superprevisor” tentará perceber a taxa base de divórcio no grupo onde o casal se insere e chegará a um valor como 35%, 40% ou 45% e não dirá, automaticamente, 50%. Dizer 50% é a confissão de quem desistiu. É o mesmo que dizer “Não faço ideia”.
A vitória de Donald Trump foi uma surpresa para a maioria dos europeus. Sentimo-nos mais ignorantes quando as coisas não acontecem como esperávamos?
Temos mais relutância em fazer previsões. Após um acontecimento surpreendente, é natural que a tendência seja apontar mais para os 50%. E esta lição de humildade tem a sua utilidade, mas não deve fazer com que descartemos informação útil. Se alguém lhe perguntar sobre a probabilidade de divórcio, deve focar-se na taxa base de divórcio e não responder automaticamente 50%.
O dilema é esse, não é? Temos acesso a mais informação e a mais formas de aceder a essa informação, mas, ao mesmo tempo, continuamos a ser apanhados desprevenidos por coisas que acontecem.
Esse é outro problema. Nós pensamos que o sistema está mal sempre que o resultado pende para o lado errado. Se tivermos um excelente sistema de previsões que nos diz que a probabilidade de algo é de 70%, e não acontece, podemos dizer que o sistema não é bom ou podemos dizer que aquilo que tinha 30% de probabilidade de acontecer aconteceu. Quando temos um sistema destes e somos confrontados com um fracasso, devemos perguntar: qual é o registo de previsões deste sistema? Se eu tiver um “previsor” que tenha estado certo 100 vezes, parece estar muito bem calibrado. Mas se disser que a probabilidade de certo acontecimento vir a acontecer é de 70% e tal não se verificar, isso faz com que a minha confiança neste “previsor” aumente? Não. Deve baixar, mas quanto? O registo de previsões é bom, está tudo bem calibrado. Quanta confiança devo perder por causa deste acontecimento? A resposta é: um bocado. Talvez passe para 69%. Só um bocado, não muito.
É difícil argumentar, em termos científicos, com “um bocado”.
Sim, mas a questão é que não podemos descartar todos os sistemas que apresentam resultados diferentes em relação ao que desejamos. Se o fizermos, vamos descartar muitos sistemas que são bons. O que deve acontecer é analisar ao pormenor as razões por detrás do que aconteceu e, certamente, isso não vai aumentar a confiança no sistema, provavelmente vai diminuir ligeiramente. Quanto? Há formas estatísticas e técnicas de chegar a esse valor, mas não devemos passar de ter muita confiança, por exemplo 90%, para apenas 10% só porque não apresentou o resultado que desejávamos. Devíamos apenas diminuir alguns pontos percentuais.
A ameaça da incerteza também é uma afirmação política, usada, por exemplo, por Donald Trump. Acredita que o seu livro pode ser usado como tema político?
Creio que, para a maioria das pessoas, a política é uma questão secundária. O que interessa realmente para elas é a sua vida pessoal, o dinheiro que têm, a família e a carreira profissional – estes aspectos muito imediatos da vida. E não gostam de se sentir inseguros sobre a estabilidade do seu trabalho, da sua capacidade financeira, da saúde dos seus filhos, se irá surgir uma cura para uma determinada doença. Essas são as incertezas que preocupam as pessoas. Por vezes, os políticos estão numa posição em que podem intensificar esse sentimento. Se recentemente tiver ocorrido uma grande crise económica, se ocorrer uma onda de imigração de pessoas estranhas com costumes estranhos, se ocorrerem actos de violência bizarros – como bombas e camiões e outro tipo de acontecimentos, assassinatos por motivos religiosos. É esse tipo de coisas que faz as pessoas imaginarem o seu filho a morrer ou a perderem o seu emprego. E é nessa altura que a política deixa de ser uma questão secundária. Quando os aspectos económicos e de hostilidade entre grupos sobressaem, especialmente nos Estados Unidos, no Reino Unido ou em França, onde vemos o medo do islamismo radical, da deslocalização económica e da globalização, as pessoas ficam a pensar que serão inúteis e que os valores com os quais cresceram serão substituídos por outros oriundos desta nova onda demográfica. Estas ameaças são existenciais e os políticos astutos sabem aproveitar-se delas para vencer.